domingo, março 9, 2025
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Brasil, o País do “Empurramos com a Barriga”

(*) Thales Aguiar

Caros leitores, se tem uma coisa que o Brasil faz com maestria, além de produzir novelas e memes, é adiar a vida até o próximo feriado. O ano começa oficialmente em janeiro, mas, sejamos honestos, ninguém espera nada antes do Carnaval. E quando a folia acaba, a Páscoa já está ali dobrando a esquina, logo depois vem o feriado de Tiradentes, Corpus Christi e, quando nos damos conta, já estamos no recesso de julho. No segundo semestre, a história se repete, e quando novembro chega com sua sequência de folgas, só nos resta decretar que o ano acabou. E não pense que essa “cultura do adiamento” é exclusiva do cidadão comum. Executivo, Legislativo e Judiciário são os primeiros a embarcar nessa onda. Afinal, ninguém quer tomar grandes decisões antes de um feriadão prolongado.

Todo presidente, governador ou prefeito sabe que medidas impopulares não podem ser anunciadas antes do Carnaval. Afinal, quem quer sair na Sapucaí ouvindo sobre corte de verbas, aumento de impostos ou privatizações? Melhor deixar para “depois do feriado”. Só que quando o feriado acaba, há sempre um outro pela frente, e assim vamos empurrar as decisões até que o tempo (o calendário) resolvam por conta própria. E se a situação apertar demais? Nada como um recesso estratégico para reorganizar as ideias. Afinal, governar exige muito descanso, e nada melhor do que uns dias a mais para “refletir” sobre os problemas do país.

Se há um setor onde o espírito do feriado reina soberano, é no Legislativo. Deputados e senadores são mestres na arte de esticar o final de semana. Oficialmente, o Congresso funciona de segunda a sexta. Na prática, a semana legislativa será retomada em terça e quarta-feira. Segunda é dia de “retornar para Brasília”, quinta já é véspera de viagem, e sexta ninguém aparece. Se o feriado cair na terça ou quinta, pronto: ponto facultativo na segunda ou sexta, garantindo uma folga de quatro dias. Projetos importantes? Reformas estruturais? Melhor deixar para a próxima legislatura. O Brasil pode esperar.

O Judiciário não fica para trás. Com férias de 60 dias e recesso de final de ano, nossos magistrados trabalham duro… quando estão em atividade. Processos se acumulam, decisões urgentes são empurradas para “depois do recesso” e liminares polêmicas saem em horários estratégicos, geralmente antes de um feriado prolongado, quando ninguém presta atenção. E se o ritmo de trabalho for muito puxado? Sempre há um congresso jurídico em algum lugar paradisíaco para discutir o “futuro do direito” enquanto se aproveita uma bela vista.

Antes que alguém diga que é exagero, basta olhar os números. O Brasil tem, em média, 12 feriados nacionais por ano. Se somarmos os estaduais e municipais, o total pode ultrapassar 20. E quando um feriado cai no meio da semana, a famosa “emenda” é quase uma regra não escrita. É claro que todo o mundo merece descanso. Mas o problema não é uma folga em si, e sim a mentalidade de que o país pode parar a qualquer momento. A produtividade vai para o ralo, as decisões são postergadas e, no fim das contas, ficamos sempre esperando “o ano começar de verdade”.

O Brasil não é o país do futuro. É o país do “depois do feriado a gente vê isso”.

(*) Thales Aguiar é jornalista e escritor, especialista em Ciência Política

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