País não melhora a taxa de esclarecimento de homicídios desde que Instituto iniciou pesquisa em 2017; estados seguem com dificuldade de gerar dados de forma regular
RIO – É preciso dirigir os esforços e os investimentos do sistema de justiça brasileiro para aumentar a investigação e esclarecimento dos crimes contra a vida em vez de lotar prisões de presos provisórios por crimes patrimoniais e por tráfico de drogas. Este é o alerta do Instituto Sou da Paz na nova edição da pesquisa “Onde Mora a Impunidade?”, que mostra que o Brasil piorou o esclarecimento de homicídios em 2020 e 2021. Apenas 35%, ou seja, 1 em cada 3, dos 40 mil homicídios dolosos no Brasil ocorridos em 2021 foram esclarecidos, é o que revela a sexta edição da pesquisa produzida pelo Instituto Sou da Paz. Em 2020, o número foi inferior, 33% dos casos foram esclarecidos.
DADOS
Para compor o estudo, foram solicitados aos Ministérios Públicos e aos Tribunais de Justiça de todos os estados, via Lei de Acesso à Informação, dados sobre as ocorrências de homicídio doloso que geraram denúncias criminais até um ano após a data do crime. Foram solicitados dados para calcular as taxas de esclarecimento para as mortes ocorridas em 2020 (e denunciadas até o final de 2021) e 2021 (denunciadas até o final de 2022).
O Instituto Sou da Paz calcula o índice desde 2017 e a série histórica dos últimos sete anos revela que não houve mudanças significativas nesse período e o índice de esclarecimento de homicídios teve pouca variação no país.
Homicídios esclarecidos no Brasil nos últimos sete anos
Fonte: Instituto Sou da Paz
IMPUNIDADE
“Um dos fatores que contribuem para a perpetuação dos homicídios no Brasil são as taxas de impunidade. Quando o estado não investiga de forma correta e não responsabiliza os autores, dá-se um recado de que esses crimes não são importantes. E isso é um incentivo para que a prática continue acontecendo”, analisa Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “É importante que os homicídios sejam esclarecidos para que a população confie no sistema de justiça e segurança pública. Quando o estado não dá resposta, a sociedade perde a confiança nas instituições, lançando mão, muitas vezes, de formas não republicanas de resolução de conflitos”, diz.
CRIME E CASTIGO
A pesquisa chama a atenção para comparação entre os indicadores de esclarecimento de homicídios com o fato de o Brasil possuir a terceira maior população carcerária do mundo, ao todo são 642.638 pessoas presas em regime fechado. Segundo o estudo, das pessoas presas no Brasil, apenas 11% são por homicídios. A grande maioria é por crimes patrimoniais (40%), seguido por crimes relacionados a drogas (21%). Os demais crimes representam 21% das prisões. Sendo assim, é possível afirmar que a impunidade no Brasil mora justamente na falta de esclarecimento dos crimes contra a vida.
Esclarecimento de homicídios nos estados
Esta edição apresenta dados de esclarecimentos de 18 estados para as mortes ocorridas em 2020 e dados de 16 estados para as mortes ocorridas em 2021, pois 2 estados não forneceram dados completos para o segundo período analisado. Dentre esses, o Paraná se destaca com a maior proporção de resolução do Brasil, com 78% dos casos esclarecidos em 2020, e 76%, em 2021. Chama a atenção, também, o Rio Grande do Norte com apenas 8% dos casos solucionados, em 2020, e 9%, em 2021, os menores indicadores do país. Por outro lado, foi a primeira vez, desde 2017, que o estado enviou dados completos ao Instituto Sou da Paz que permitisse o cálculo de sua taxa de esclarecimento de homicídios.
PERFIL DAS VÍTIMAS
A última edição da pesquisa “Onde Mora a Impunidade?” se debruçou em traçar o perfil das vítimas de homicídio doloso no Brasil, a partir do gênero, idade e raça dessas pessoas. Os dados disponibilizados pelos estados, porém, não representam uma amostra significativa. Além disso, dos estados que enviaram dados dos homicídios realizados em 2021 e denunciados até o fim de 2022, só 11 dos 16 informaram pelo menos uma das características solicitadas das vítimas.
Traçar o perfil das vítimas de homicídio doloso de forma qualificada é uma medida importante para compreender os cenários que provocam os índices de homicídios do país. Com essas informações é possível elaborar políticas públicas mais efetivas para enfrentar os altos números de assassinatos.
DADOS SOBRE RAÇA
“O fato de não ter dados bons sobre raça, por exemplo, mostra que essa não é uma preocupação do gestor da segurança pública, quem trabalha o dado, e do Ministério Público, que faz o registro. E se essa questão não é uma preocupação, o viés racial na forma como a segurança pública acontece no Brasil se torna invisível. O mesmo vale para o gênero, ainda que um número menor de vítimas seja de mulheres. É muito importante entender se o perfil dos esclarecidos de mulheres são aqueles de violência doméstica, que em geral, o autor já é conhecido, para qualificar tanto o fenômeno dos homicídios quanto o fenômeno do esclarecimento de homicídios”, explica Carolina Ricardo.
Porém, nem todos os estados disponibilizaram os dados de forma estruturada. Apenas Pará e Piauí apresentaram informações suficientes para traçar o perfil racial das vítimas em 2021. Nos homicídios esclarecidos do Piauí, 86,8% das vítimas eram declaradas negras, enquanto 10,3%, brancas. O Pará declarou 97,6% das pessoas vitimadas como sendo brancas. Esse dado, no entanto, suscita dúvidas ao ser comparado com outros índices nacionais, o que pode indicar erros no preenchimento das informações sobre raça.
Piauí também apresentou informações para traçar um perfil a partir da idade das vítimas. Minas Gerais, Pernambuco e Roraima somaram-se a essa análise.
IDADE DAS VÍTIMAS
A pesquisa revela que, embora o número de idosos e crianças vítimas de homicídio seja menor, a resolução desses casos possui um percentual maior. Uma das justificativas possíveis para isso é a comoção que esses casos geram, o que pode propiciar que a população esteja mais propensa a testemunhar.