Caros leitores, por acaso você já percebeu que o mercado de consumo vem cada vez mais promovendo o autocuidado? Mas vamos entender um pouco o que isso significa. O autocuidado na verdade, é uma prática essencial para a saúde física, mental e emocional. Tornou-se o mantra da sociedade contemporânea. Promovido como um antídoto para o estresse de um mundo hiperconectado e exaustivo. No entanto, ao observarmos a forma como o conceito é aplicado, surge uma questão inevitável: estamos realmente cuidando de nós mesmos ou nos entregando a uma cultura de autoindulgência disfarçada de bem-estar? Velas aromáticas a retiros luxuosos, o mercado de autocuidado movimenta bilhões de dólares anualmente. Como um esforço genuíno para priorizar a saúde mental e física, rapidamente foi absorvido pela lógica capitalista. Na atualidade, em uma grande proporção, o autocuidado muitas vezes é vendido como um produto, alimentando a ideia de que um spa caro ou um curso de mindfulness seria a solução para todos os problemas.
A comercialização deturpada e o propósito original do autocuidado, transformou-se em um privilégio acessível apenas a quem pode pagar. Nesse pacote o mais preocupante é o impacto psicológico da narrativa: as pessoas começam a acreditar que merecem qualquer tipo de indulgência em nome do bem-estar. Não é incomum ouvir justificativas como “Eu mereço isso” para decisões que, muitas vezes, fogem ao equilíbrio saudável. Na visão da psicologia o autocuidado está associado ao equilíbrio. Envolve atender às necessidades pessoais de forma consciente, sem ignorar responsabilidades ou o impacto sobre os outros. É uma prática que requer introspecção e disciplina, não apenas indulgência. Do contrário, a autoindulgência se mostra quando justificamos comportamentos impulsivos ou excessivos como formas de autocuidado. O gasto compulsivo, a procrastinação ou evitar desafios sob o pretexto de “proteger a saúde mental” pode oferecer um alívio temporário, mas que frequentemente resulta em consequências negativas a longo prazo. Problemas financeiros, baixa produtividade e sentimentos de culpa, são resultados desse movimento. Em um mundo que nos pressiona constantemente a sermos produtivos e perfeitos, o autocuidado é usado como um “escape emocional”, uma desculpa para evitar lidar com o desconforto ou enfrentar problemas mais profundos. Há uma linha de pensamento crescente que incentiva as pessoas a priorizarem a si mesmas a qualquer custo, mesmo que isso prejudique relacionamentos ou compromissos.
É o caso, por exemplo, de quem cancela compromissos de última hora ou negligencia responsabilidades justificando essas ações como “priorização da saúde mental”. Embora o equilíbrio seja crucial, a prática indiscriminada dessa mentalidade pode enfraquecer laços sociais e criar uma sociedade onde o cuidado com o outro é visto como um peso, não uma virtude. O verdadeiro autocuidado é um compromisso diário com o próprio bem-estar de forma sustentável. Envolve escolhas difíceis, como adotar uma rotina de exercícios em vez de passar o dia no sofá, ou procurar ajuda profissional para problemas emocionais em vez de ignorá-los. Autocuidado é um ato de equilíbrio, responsabilidade e consciência. Exige que olhemos para nós mesmos com honestidade, reconhecendo as reais necessidades sem ceder à tentação de nos escondermos atrás de indulgências disfarçadas de bem-estar. Em um mundo onde o individualismo é celebrado e as pressões são intensas, é compreensível que o autocuidado seja visto como uma tábua de salvação. Mas, se não formos cuidadosos, corremos o risco de transformar uma prática essencial em uma desculpa para fugir de nós mesmos e do outro. O desafio, portanto, não é rejeitar o autocuidado, mas ressignificá-lo: como um caminho para o equilíbrio, não como um refúgio para o egoísmo.
(*) Thales Aguiar é jornalista e escritor