terça-feira, maio 6, 2025
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Atlas da Amazônia Brasileira busca descontruir estereótipos da região

Entre 2019 e 2022, a Amazônia registrou recordes de desmatamento; o garimpo ilegal em áreas protegidas cresceu em 90%; e cidadãos estimulados pelo avanço da extrema direita se armaram – entre 2018 e 2022 o número de pessoas com registro de armas na Amazônia Ocidental aumentou 1.020%

BRASÍLIA (AGÊNCIA BRASIL) – O Atlas da Amazônia Brasileira foi lançado pela Fundação Heinrich Böll no Brasil, e busca desconstruir estereótipos da região com um conteúdo que contribui para uma mudança urgente de perspectiva, para que pessoas do país e do mundo possam conhecer a Amazônia novamente, desta vez sob a perspectiva dos diversos habitantes da região.

Trata-se de uma publicação inédita com 32 artigos que abordam os desafios, os saberes e as potências da maior floresta tropical do planeta.

A iniciativa busca ampliar o debate sobre justiça climática e territorial em um ano marcado pela realização da COP30 na Amazônia brasileira. Entre os 58 autores e autoras, estão 19 indígenas, cinco quilombolas e dois ribeirinhos.

ÁREA URBANA

Para o coordenador da área de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll no Brasil e co-organizador do atlas, existe uma visão de que a Amazônia é só floresta, mas existe uma riqueza singular na região que muitas vezes fica invisibilizada.

“A gente mal sabe que 75% da população da Amazônia é urbana. Tem povos e comunidades que há muito tempo trabalham na relação com a natureza, com formas de proteção e preservação ambiental com a construção de um bem viver cada vez mais sustentável. É preciso colocar quem está nos territórios para ter um papel de protagonista nesses debates.”

DESMATAMENTO E GARIMPO

Segundo da Fundação, entre 2019 e 2022, a Amazônia registrou recordes de desmatamento (principalmente para abertura de pastagem para criação de gado); o garimpo ilegal em áreas protegidas (principalmente em terras indígenas da região amazônica) cresceu em 90%; e cidadãos estimulados pelo avanço da extrema direita se armaram – entre 2018 e 2022 o número de pessoas com registro de armas na Amazônia Ocidental aumentou 1.020%.

Ao mesmo tempo, em 2022 a Amazônia reuniu mais de um quinto dos assassinatos de defensores do meio ambiente em todo o mundo: foram 39 ativistas assassinados na região naquele ano. 

CRISES

Em 2023, o mundo teve acesso às cenas da crise humanitária vivida pelo povo indígena Yanomami, cujo território, nos anos anteriores, foi tomado pela atividade garimpeira ilegal.

No mesmo ano, a Amazônia foi assolada por uma intensa crise climática, com secas extremas e rios alcançando os mais baixos níveis já registrados, o que, além da morte de animais, impactou sua extensa infraestrutura fluvial, levando à escassez de água potável e alimentos, além da dificuldade de acesso a aparelhos públicos.

Os danos não foram totalmente superados e outra seca atingiu a região em 2024. No mesmo ano, o bioma amazônico concentrou o maior número de focos de incêndio dos 17 anos anteriores, e o impacto da fumaça na qualidade do ar prejudicou a saúde de milhares de pessoas – sendo transportada pela atmosfera para outros estados das regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Outros biomas que compõem a Amazônia Legal, como o Pantanal e o Cerrado, também atingiram recordes de queimadas.

UNICEF realiza projeto em parceria com a Funai em área Yanomami

FUTURO SOMBRIO

Assim, na avaliação da fundação, os últimos anos parecem ter desenhado um futuro sombrio para a Amazônia e sua população, seja pelos impactos do colapso climático na região, seja pelas disputas políticas que ditam não apenas o ritmo da intensificação de crimes ambientais (cada vez mais organizados pelas facções do tráfico de drogas nos territórios), mas os interesses econômicos que orientam grandes projetos para a região.

“Em contrapartida, a Amazônia é território de uma efervescente mobilização de movimentos sociais, coletivos e organizações socioambientais que têm se tornado linha de frente das discussões envolvendo tanto a gestão territorial regional, quanto a agenda climática global”, diz a fundação.

“Essa mobilização envolve a valorização dos modelos de pensamento dos povos e comunidades, que constroem relações com o território e seus seres bastante distintas daquelas que guiam os setores responsáveis pelo iminente colapso climático”,

CRIME ORGANIZADO

No artigo Crime Organizado, os autores Aiala Colares Couto (professor e pesquisador na área de geografia da Universidade do Estado do Pará – UEPA) e Regine Schönenberg (Fundação Heinrich Böll) traçam as dinâmicas das facções criminosas na região amazônica.

Segundo eles, importantes rotas do tráfico de drogas passam pela Amazônia brasileira e controlar essas rotas e os mercados locais se tornou o objetivo das facções. Com a profissionalização do narcotráfico e sua relação com os crimes ambientais, a região vive um processo de interiorização da violência.

“Estudos apontam que, desde os anos de 1980, a bacia amazônica é utilizada pelo crime organizado. Na época, como um importante corredor para o escoamento de cocaína que entrava pelas fronteiras do Brasil com os países andinos, principalmente Bolívia, Colômbia e Peru, que até hoje se destacam como os maiores produtores de cocaína do mundo”, dizem os autores.

MIGRAÇÃO DO CRIME

De acordo com Aiala e Regine, facções criminosas que antes atuavam na Região Sudeste passaram a ter mais presença na Amazônia, tais como, o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro.

Além disso, facções regionais passaram a se organizar na região instituindo relações de poder e controle dos territórios, a exemplo da Família do Norte (FDN) do Amazonas e Comando Classe A (CCA) do Pará, fazendo alianças e enfrentamento aos grupos faccionais não-regionais, algo que contribuiu de forma significativa para os conflitos violentos na Amazônia.

Segundo os autores, a relação entre o narcotráfico e os crimes ambientais se dá por meio de atividades ilegais como exploração ilegal de madeira, contrabando de minérios (manganês e cassiterita) e grilagem de terras.

Essas atividades vêm sendo financiadas pelo crime organizado nos últimos anos, principalmente como estratégia de lavagem de dinheiro.

TERRITÓRIOS AMEAÇADOS

“Em relação à ameaça aos territórios indígenas, destacam-se a expansão do garimpo ilegal do ouro e a invasão desses territórios por integrantes de facções criminosas, aliciando jovens indígenas e alterando o cotidiano das comunidades”, dizem os pesquisadores, que alertam para o alcance desse impacto.

“Também se enfatiza a aproximação a esses povos gerada pelos vários meios de transporte das drogas, seja via estradas próximas ou interligadas às Terras Indígenas, pelos rios que se conectam a elas ou pela utilização de aeronaves que pousam em pistas clandestinas construídas ilegalmente nas áreas protegidas.”

AUSÊNCIA DO ESTADO

Nascido no quilombo de Menino Jesus de Pitimandeua, no município de Inhangapi, no Pará, o pesquisador Aiala diz que há uma dificuldade na ação do Estado no que diz respeito à agilidade do processo de intervenção no combate ao crime organizado.

“O crime organizado não passa por processos burocráticos para agir. A agilidade do crime organizado em suas múltiplas conexões acaba se sobrepondo às ações governamentais que dependem de recursos financeiros e da desburocratização por parte do governo”.

A FUNDAÇÃO

A Fundação Heinrich Böll é uma organização política alemã presente em mais de 42 países. Promover diálogos pela democracia e garantir os direitos humanos; atuar em defesa da justiça socioambiental; defender os direitos das mulheres e se posicionar como antirracista são valores que impulsionam as ideias e ações da fundação.

No Brasil, a Fundação apoia projetos de diversas organizações da sociedade civil, organiza debates e produz publicações gratuitas. No campo da justiça socioambiental, busca fortalecer o debate público que alie a defesa do meio ambiente à garantia dos direitos dos povos do campo e da floresta. A fundação completa 25 anos de atuação no Brasil.

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