(*) Thales Aguiar
Caros leitores, numa mesa escura de um bar clandestino, lá estavam reunidos os “donos do pedaço”. Figuras de terno, gravata e sorrisos dissimulados. Como numa anedota de gangster, o governo brasileiro, representado por sua atual gestão e as grandes mineradoras se encontraram para fechar um acordo que, tal qual nos filmes, promete ser benéfico para todos, menos para as vítimas. Em meio aos processos judiciais que escalam do Brasil até a Europa, e que poderiam ser decisivos para milhares de atingidos, as mineradoras conseguiram uma saída de mestre, um acordo com o governo federal convenientemente fechado em Brasília, enquanto as reais consequências dessa tragédia ainda ressoam na vida de quem vive na bacia do Rio Doce. Esse acordo bilionário traz cifras que, na superfície, poderiam até convencer os mais céticos. Entretanto, uma análise mais detalhada revela que esse acerto é muito mais uma cortina de fumaça que um real compromisso com a justiça. A população atingida, que há anos luta por compensação justa, mais uma vez vê-se marginalizada pelo Estado, que agora ao pactuar com as empresas responsáveis, dificulta o processo em andamento em Londres contra a BHP. Uma das empresas por trás do desastre em Mariana.
Assim como nos romances de crime em que os poderosos buscam sua absolvição longe dos olhos da justiça, a intenção deste acordo não é mera coincidência. A BHP e a Vale que ainda enfrentam processos de bilhões na Inglaterra, sabem que o governo brasileiro é uma peça fundamental para abafar a crise de imagem e possivelmente enfraquecer o caso por lá. A trama parece sair de um filme: ao propor uma indenização “estruturante” aqui, o governo parece querer dizer aos tribunais internacionais: “não se preocupem, nós já estamos resolvendo o problema”. E enquanto isso a população atingida no Brasil amarga o peso de promessas vazias e adiamentos infindáveis. O julgamento em Londres era uma esperança concreta para os atingidos. É um dos poucos casos em que longe da influência e dos conchavos do poder, o tema é discutido sob a perspectiva das vítimas com real possibilidade de condenação e reparação. Na Inglaterra as mineradoras enfrentam um tribunal distante da política brasileira, que até agora parecia o único capaz de alcançar justiça para as famílias e os trabalhadores que perderam suas casas, empregos, e até vidas.
Mas como numa velha história de mafiosos, os atores envolvidos tentam segurar as pontas para que o estrago não seja maior. Esse acordo, que no papel é pintado como um esforço coletivo pelo “desenvolvimento”, na prática soa como uma manobra clássica para proteger interesses. Qual seria o interesse de antecipar uma indenização aqui com cifras que dificilmente cobrem as perdas? Para que o governo Lula escolheria esse momento para um acordo de caráter duvidoso senão para aliviar o peso das mineradoras nos tribunais de Londres? Não se pode ignorar que, em casos de tragédias ambientais como a de Mariana, a estratégia das grandes corporações é de desacelerar a justiça até que as vítimas cansem. E, enquanto isso, a memória do desastre vai sendo soterrada em burocracias, adiamentos e “novos acordos”. Assim, tal qual um gangster que passa a mão no ombro da sua vítima e oferece um dinheiro “por fora” em troca de silêncio, as mineradoras, com aval do governo, passam a boiada sem muito alarde. E não é só o valor das indenizações que está em jogo. Trata-se do precedente que o Brasil estabelece para o tratamento de crimes ambientais de grande escala. Ao fechar esse acordo nos bastidores o governo sinaliza que a punição por crimes desse tipo pode ser negociada, e que o real preço de uma tragédia ambiental pode ser determinado em salas de reuniões, não nos tribunais. Resta, então, a pergunta: até quando a justiça será uma cortina de fumaça para os poderosos?
(*) Thales Aguiar é jornalista e escritor.