É comum um golpe de quem está fora do governo para poder entrar. Muito estranho um golpe em si mesmo, um golpe militar num governo altamente militarizado – ou tudo não passa de um delírio
(*) Fernando Benedito Jr.
Uma das principais atividades do presidente Jair Bolsonaro é visitar quarteis, onde também costuma participar de manifestações anti-democráticas a favor de torturadores, volta do AI-5, fechamento do Congresso e STF e volta da ditadura militar. Na última quinta-feira (30) esteve em Porto Alegre onde participou da posse do Comando Militar do Sul. Ouviu um panelaço, algumas palavras de apoio, foi tratado pelos cotovelos e voltou a Brasília. No domingo participou de outro ato anti-democrático em frente ao Palácio do Planalto, onde facínoras fascistas espancaram um jornalista no Dia Internacional da Liberdade de Expressão. O presidente voltou a defender algo parecido com um golpe de estado militar, disse que tem o povo e o Exército a seu lado. Na verdade, tem alguns milicianos civis, essa hora de espancadores de enfermeiras, jornalistas e quaisquer outros que contrariem suas ideias incivilizadas. E os militares que estão no governo. Os únicos com quem o presidente pode contar a esta altura do desgoverno. Em breve, terá também o Centrão, tão logo entregue os cargos, os anéis e os dedos.
Antes de mais nada, é preciso deixar claro que todas as crises do governo são criadas pelo próprio governo. Portanto, se Bolsonaro está no limite com alguém, tem que ser consigo próprio. Semanalmente, desde que assumiu o governo, ao criar uma crise, seja em atos ou palavras mal ditas, ele vai ultrapassando todos os limites do razoável, da sensatez e da civilidade, motivo pelo qual lhe sobram apenas os tiozões de óculos escuros, os playboys músculos e seus carrões, os proprietários de lojas no shopping, as esbravejantes senhoras filhas e viúvas de generais com cabelos pintados e alguns uberizados que se julgam empreendedores.
A lhe apoiar também estão os militares. Não todos, mas a maioria. É quase uma retribuição a tudo que Bolsonaro lhes prometeu, ao pouco que efetivamente entregou e por amor corporativo mesmo.
Muitos fardados se identificam com o governo mais militar que civil de Bolsonaro.
Por falta de opção, depois da recusa de vários nomes, lhe sobrou o general Mourão como vice. Diziam até que Mourão seria um antidoto contra impeachment. Hoje, o Palácio do Planalto tem vários antídotos, é quase uma extensão dos quartéis. Além do próprio Bolsonaro, egresso do quartel, do vice Mourão, o general da ativa Braga Neto foi nomeado para a Casa Civil. De quebra, Bolsonaro nomeou o general Augusto Heleno, como chefe do Gabinete de Segurança Institucional; general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo; o major da Polícia Militar do Distrito Federal Jorge Oliveira, chefe da Secretaria Geral da Presidência. Nos últimos meses, vários postos do segundo escalão, a exemplo da secretaria executiva do Ministério da Saúde, são secundados por oficiais do Exército.
Na falta de apoio político no parlamento e, cada vez mais, na sociedade, Bolsonaro vai acomodando o Exército no governo por alguns motivos. O principal deles é utilizar a Arma como uma ameaça constante ao Estado Democrático de Direito. Não que o Exército concorde com isso, mas, uma vez integrante do governo, não tem como discordar publicamente de seu Comandante em Chefe.
É o que Bolsonaro vem fazendo dia sim, dia não. É mais uma atitude delirante do mandatário. É comum um golpe de quem está fora do governo para poder entrar. Muito raramente se vê um autogolpe de um governo eleito, ainda mais antes de completar dois anos de governo. Só pode ser insegurança. E mais intrigante ainda, seria um golpe militar num governo altamente militarizado.
É possível que uma escalada golpista esteja em curso. Com um presidente como Bolsonaro, afeito a teorias de conspiração, desnorteado, sem planejamento e sem propósito, tudo é possível. Mas, é mais provável que tudo não passe de bravatas e arroubos autoritários contra a democracia para justificar seus próprios erros e delírios psicopatas.
De qualquer modo, a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito deve estar sempre em pauta e ninguém a fez melhor do que um de seus principais arquitetos, o saudoso Ulysses Guimarães, a quem recorremos: A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Mas, quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. (…) Tenho ódio à ditadura. Ódio e nojo (…) A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram”.
(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular.