(*) Fernando Benedito Jr.
A presença do presidente Jair Bolsonaro em Ipatinga para acender simbolicamente o Alto-Forno 1 da Usiminas provocou um fenômeno parecido com uma catarse entre seus apoiadores. Ao longo da avenida que leva à portaria da Doap, devidamente separados pelo cercadinho, o presidente percorreu um longo trecho cumprimentando, abraçando e fazendo selfies com os apoiadores – claro, sem obedecer os protocolos contra o coronavírus, o que não é mais novidade, mas não custa lembrar que o vírus segue em circulação. O simbolismo não foi só em relação ao acendimento do AF-1, que já estava aceso, mas para mostrar ao País que a retomada da corrida do gusa no equipamento é a própria retomada da economia brasileira. Não é bem assim. Nem todos os setores da economia funcionam como uma “black friday”, ficam com a demanda reprimida e tão logo voltam às atividades, abrem as portas, movimentam a cadeia produtiva da noite para o dia, como se quer fazer crer.
Recebido aos gritos de “mito”, “lindo” e até aos prantos pelas senhoras mais apaixonadas pela proximidade com a celebridade presidencial, Bolsonaro seguiu a marcha da campanha presidencial de 2022, embora ainda não tenha começado a governar o mandato para o qual foi eleito em 2018. Sem ter feito nada em 2019, e barrado pela pandemia em 2020, aproveita as facilidades oferecidas pelo poder para andar pelo País às custas da máquina administrativa. Enquanto isso, vai largando mão de sua agenda liberal, repagina os programas da esquerda mudando seus nomes, não consegue emplacar a agenda de reformas e até briga com seu principal ministro, Paulo Guedes, para defender um programa de renda emergencial que antes combatia com toda a virulência. O Bolsa Família foi atacado de todas as formas por Bolsonaro e seus apoiadores durante a campanha. Era, segundo eles, uma forma do PT comprar o voto dos pobres, de encabrestá-los, de manter a dominação lulo-petista-comunista.
Na verdade, o que se tinha e se tem é o preconceito e o ódio pela esquerda. A direita pode fazer a mesma coisa que não tem problema.
Outro caso é o dos R$ 600,00 reais de ajuda emergencial. Com a popularidade embalada pela entrega deste recurso, que só foi possível graças à pressão social e à decisão do Congresso Nacional, Bolsonaro se entusiasmou. O efeito da distribuição deste recurso fez-se sentir na recepção que Bolsonaro teve em Ipatinga e tem em outros lugares do País por onde anda, em campanha eleitoral extemporânea. O principal pedido é que a ajuda não seja retirada.
Desde que assumiu, Bolsonaro não desceu do palanque. Continua atacando seus opositores e discursando para agradar seus eleitores. Faz um jogo difícil de sustentar, mas tem conseguido andar no fio da navalha.
Pode chegar o dia que a ajuda emergencial acabe…
Pode chegar o momento que os liberais se sintam traídos, que os bolsonaristas radicais percebam que nada daquilo que foi prometido foi entregue. Talvez, em algum momento, percebam que o descaso com a pandemia causou 120 mil mortes, que o dólar chegou a R$ 5,00, que a Amazônia está em chamas, que a fonte secou, que a ciência, a educação, o SUS e a própria soberania nacional (tão cara à direita nacionalista) foram para as cucuias. Pode ser que em algum momento caia a ficha sobre o tipo de corrupção familiar que os Bolsonaros praticam com recursos públicos. Uma corrupção com claro objetivo de enriquecimento ilícito e em proveito próprio. Ou que fique mais explicita a relação com grupos milicianos.
Bobagem. Para os bolsonaristas, nada disso importa. Não passam de teorias conspiratórias para fazer a esquerda voltar ao poder. Isto não parece ser só uma catarse provocada pelo populismo fascista. Tem um componente psicossocial que precisa ser melhor estudado. Ave César!