Matí Lima (*)
A OMS, Organização Mundial da Saúde, publicou em 2019 um relatório da análise de mais de 3 mil estudos que mostraram o importante papel da arte na prevenção de problemas de saúde, na promoção da saúde como um todo e no tratamento de doenças ao longo da vida.
Piroska Östlin, diretora regional da OMS para a Europa, apontou que “trazer arte para a vida das pessoas por meio de atividades como danças, cantar, ir a museus e shows, oferece uma dimensão adicional’’ de como é possível melhorar a saúde física e mental.
O estudo foi realizado pelo Escritório Regional da OMS para a Europa, sendo elaborado pelas Doutoras Daisy Fancourt e Saoirse Finn e seus resultados ultrapassam fronteiras, comunicando o importante papel da arte em todo o mundo.
A ONU define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”.
Assumindo meu lugar de fala enquanto corpo-sujeito-artista-pesquisador para as artes, não vou discorrer aqui meus questionamentos e curiosidades sobre a metodologia aplicada pelas pesquisadoras, mas é importante informar que o mapeamento utilizou da literatura acadêmica.
Como sul-americanos/as, são infinitas as encruzilhadas a destrinchar se fossemos por esse prisma. Teríamos que debater primeiramente a visão eurocêntrica “do que é arte” e este não é o foco no momento. Me atenho ao importante diagnóstico apresentado pela pesquisa, intitulada: “Quais são as evidências sobre o papel das artes na melhoria da saúde e do bem-estar?”
Nós, fazedores e fazedoras da cultura, sabemos da importância da arte e da cultura na construção social e dos indivíduos. Aprendemos com os/as que vieram antes de nós, que nosso ofício possui a força motriz capaz de ampliar o olhar para e sobre o mundo.
Nos últimos meses tenho lembrado constantemente, de uma frase a mim dita pelo mestre e saudoso amigo, o ator, diretor, apresentador e roteirista de cinema, televisão e do teatro brasileiro, Sérgio Britto; que em nossos encontros em dado momento, dizia: “Só a arte salva a vida”.
Sabemos dos impactos positivos que os acessos aos bens culturais causam na saúde e no bem-estar do público, seja através de uma participação ativa ou passiva. E, inevitavelmente, ele é atravessado pela arte, da qual se alimenta. E nesta máxima, comungo do pensamento de Gilberto Gil: “É preciso colocar a cultura na cesta básica brasileira”.
Com a reconstrução do MinC desde 2023, houve avanços significativos em políticas públicas através da construção de ações, políticas e leis para a valorização e respeito à diversidade cultural, como afirmou a ministra da Cultura, Margareth Menezes.
É de extrema importância o trabalho que está sendo realizado pelo MinC. Avançamos! Mas não podemos distrair. A cultura brasileira continua sendo uma política de Governo.
É, fato, que entre a política de Governo que temos e o desejo e a luta para que a cultura brasileira um dia se torne uma política de Estado e do Estado Democrático de Direito, ainda há muito a caminhar – e precisamos nos perguntar: a cultura está sendo colocada na cesta básica brasileira?
Ampliemos as reflexões nos perguntando: os recursos financeiros para a cultura estão possibilitando que os/as trabalhadores/as do setor cultural tenham uma cesta básica?
Nós somos responsáveis e, ouso dizer, guardiões da riqueza cultural, material e imaterial, deste país. Nosso ofício tem significativa importância para os impactos na saúde e no bem-estar da população. Isto não se discute! Mas devemos também dialogar sobre a saúde e o bem-estar dos/as fazedores/as da cultura.
Tendo eu explorado as frestas das janelas que se abriram através das lives orientativas sobre os editais de fomento à cultura, vi um recorte do brasil profundo e a realidade que se apresentou é de que muitos/as profissionais das artes estão adoecendo.
Já vivíamos em situação emergencial antes da Lei Aldir Blanc que foi lançada durante a pandemia da COVID 19; após veio a Lei Paulo Gustavo e agora no decorrer da importante Política Nacional Aldir Blanc, do Programa Cultura Viva, dos Programas da Funarte, dos Editais da Fundação Palmares e de outros órgãos públicos; continuamos em estado emergencial. Continuamos adoecendo!
A cultura enquanto política de Governo apresenta um certo sadismo para com nós trabalhadores das e para as artes. Mesmo diante do repasse financeiro por parte do Governo Federal, estando diversos órgãos nas esferas federais, estaduais e municipais com os recursos em seus cofres, tem ocorrido constantes atrasos nos repasses dos mesmos para os projetos contemplados em seus respectivos editais.
Temos ciência que nem sempre os atrasos ocorrem por responsabilidade dos/as secretários/as de cultura e/ou dos/as presidentes/as dos institutos culturais federativos. Um sintoma diagnosticado nestes processos é o sucateamento das secretarias e departamentos de cultura. São poucos profissionais contratados para o volume de trabalho a ser realizado. E quando adentramos o território da esfera municipal, o abismo se apresenta; há cidades que não possuíam sequer estruturado um departamento de cultura. Assim, mais uma vez esbarramos na fragilidade da cultura enquanto política de Governo, e não como Política de Estado e do Estado Democrático de Direito.
Nós trabalhadores, cobramos das equipes das secretarias de cultura por respostas conclusivas e ações efetivas; mas precisamos reconhecer que há dentro destas equipes profissionais que lutam pela cultura e merecem nosso reconhecimento por seus trabalhos dentro deste sistema moedor de gente. Entre o trabalho realizado por estas equipes e o cumprimento do planejamento para a cultura, está a caneta de chefes do Executivo e a ausência de compromisso de alguns com a cultura.
Claro que o Ministério da Cultura está realizando diagnósticos dos programas de fomento à cultura. Reestruturar a política cultural é um trabalho árduo que apresentará resultados a médio e longo prazo. Avançamos e há muito trabalho a ser feito.
É necessário que a saúde mental dos/as fazedores/as da cultura esteja na pauta e no projeto de construção da política cultural brasileira. Que o Governo Federal, Estadual e Municipal reconheça que os atrasos nos lançamentos dos editais e nos repasses dos recursos destes, impacta na saúde mental de todos nós.
O investimento em cultura deve ser valorizado e fortalecido. O setor representa 3,11% do PIB e emprega 7,4 milhões de pessoas, o equivalente a 7% do total dos/as trabalhadores/as brasileiros/as. Estes dados foram apresentados pelo Ministério da Cultura em 27/12/2024.
Nós, trabalhadores da cultura, contribuímos de forma plural para a saúde e o bem-estar da sociedade e merecemos respeito.
Estão nos adoecendo.
(*) Matí Lima é multiartista periférico e gestor do Ecoar Ponto de Cultura
IG: @matilimaoficial