Cultura

Um idiota em Nova York

Fernando Benedito Br.

“Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha”. Tirando contexto histórico e geográfico e os personagens da época, o mundo parece estar voltando a 1848, época do lançamento do Manifesto Comunista de Karl Marx e Engels, ao menos se olhado pela ótica de um Donald Trump e de um Jair Bolsonaro, que insistem no demônio do socialismo e do comunismo em pleno século XXI, quando o que se tem é um ou outro regime tentando sobreviver miseravelmente às suas próprias custas, sem condições de ameaçar quem quer que seja com seus insignificantes artefatos bélicos. Cuba e Venezuela podem ter um povo corajoso, mas certamente seu poderio bélico não é nada capaz de retomar a “guerra fria” ou promover a invasão de outras nações para implantar o socialismo, como querem fazer crer Bolsonaro e Trump em seus discursos retardados e retrógrados na ONU. Eles é que ameaçam atacar e invadir outros países, ao contrário que afirmam. Trump mira no Irã, além de Iraque e Afeganistão, e conta com seu fantoche brasileiro para intervir na Venezuela.

Por trás da cortina de fumaça que os dois tentam disseminar para recriar uma inexistente cortina de ferro, tem-se na verdade na retórica mentirosa e diversionista para tirar o foco das principais pautas que o mundo cobra do Brasil e dos EUA. Ações para reduzir as emissões de poluentes e o aquecimento global, para preservar a Amazônia, para garantir os direitos humanos, diminuir a violência, gerar empregos e desenvolvimento econômico sustentável. Disso, eles não falam.

Ninguém se dá ao trabalho de responder Greta Thunberg, “aquela menininha sueca” que chamou a atenção dos líderes mundiais por acabarem com seus sonhos. No caso de Bolsonaro, prefere levar na comitiva a índia Ysani Kalapalo, ou a índia de direita, como tem sido tratada nas redes sociais e na mídia em geral, ungida pelo presidente como a mais legítima representante e interlocutora das nações indígenas do Brasil. Com Ysani a tiracolo, como se fosse um bichinho de estimação, um Xerimbabo, o presidente acha que está credenciado a dizer que a Amazônia é sua, que não vai mais demarcar terra indígena e tem o apoio dos índios para isso, que vai deixar o garimpo correr solto e extrair nióbio de terra Ianomami para fazer colarzinho para Ysani, porque ela apóia a política indigenista de Bolsonaro para a Amazônia e para o Xingu. Ysani é uma blogueira traidora que nega a luta dos povos do Xingu e da Amazônia em troca de colares, espelhos e bugigangas.

Tal como previsto, Bolsonaro fez seu discurso na ONU, secundado por Donald Trump, em tom repugnante e vergonhoso. Mais uma vez demonstra que não tem tato nem capacidade de articulação internacional e suas intenções fascistas apenas isolam o Brasil no cenário mundial.

A revista “Veja”, no passado notória apoiadora de Bolsonaro, avalia que “em seu primeiro discurso no plenário da Assembleia-Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro abriu frentes de ataques severos contra os governos de esquerda no Brasil, a atitude da França diante dos incêndios na Amazônia e até mesmo o cacique caiapó Raoni Metuktire, uma das principais vozes contra as políticas indigenista e ambiental da sua gestão. Sob a alegação de que trazia a ‘verdade’ ao plenário, o brasileiro criticou até mesmo a própria ONU, a quem acusou de ‘perverter a identidade biológica’, em referência à agenda da organização em favor da diversidade de gênero”.

A narrativa anti-esquerda mostra que após nove meses no poder, Bolsonaro ainda não absorveu sua nova condição. Ou não acordou e se deu conta de que tem que governar um país para todos os brasileiros ou quer mesmo é fazer uma cruzada contra o socialismo inexistente, que ele jura estar encarnado em Lula, Dilma e Maduro. Ou então, esse idiota, definitivamente, não sabe o que é o socialismo – tese mais provável, já que parece nunca ter lido um livro.

Sua pauta principal continua sendo o ódio e a violência, o culto a ignorância, o autoritarismo e a insensatez.

Ao fim e ao cabo da inútil viagem a Nova York sobra o consolo de que mais uma vez o mandatário brasileiro não serviu para nada. Não juntou nem uma birosca, não foi recebido por ninguém – na segunda-feira, Trump foi ao hotel onde ele estava e não o visitou, e olha que são amigos desde criancinhas.

De maneira que está bom assim. Uma verdadeira lição da diplomacia antiglobalista.

Fernando Benedito Jr. é editor do DP.

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