Foto aérea de Juba, capital do Sudão do Sul (Crédito:Emerson Penha/Correspondente da EBC na África)
JUBA (Sudão do Sul) – “Jornalistas não são bem-vindos a países em guerra, o senhor não sabia?” Foi com essa frase que fui recebido no país por um militar do Exército de Libertação do Povo Sudanês (SPLA, na sigla em inglês), recém-convertido em Exército do Sudão do Sul. Eu não tinha reconhecido os militares, não estavam fardados, mas já tinha percebido os homens que nos vigiaram até a entrada do hotel, quando deram o bote. O resultado foi uma “prisão domiciliar” no quarto, só encerrada quando consegui antecipar nossa passagem de volta e fiz uma espécie de acordo para que nos acompanhassem ao aeroporto, 36 horas depois.
Os militares do país – quase todos – são da etnia Dinka, que representa um quinto da população sul-sudanesa, cerca de 2 milhões de pessoas. O restante se divide em mais de 50 grupos étnicos e imigrantes, a maioria dos países vizinhos. Os dinka são considerados o povo mais alto do mundo. Em Juba se diz que eles têm, em média, 1,91m de altura. Deve ser verdade.
Mulheres de salto alto, que as deixam com mais de 2 metros de altura, andam pelas ruas poeirentas de Juba. Os homens, em um ritual de passagem para a vida adulta, cortam a testa em linhas paralelas e passam um pó para que as cicatrizes fiquem ainda mais visíveis, para sempre, como uma tatuagem.
Praticamente todos os homens têm mais de 2 metros de altura. E são muito pretos, característica de quem não se mistura facilmente com outras etnias. Os primeiros dinkas chegaram a Núbia, atual Sudão, no século 10, provavelmente migrando da região que hoje em dia se divide entre o Quênia e Uganda. Eles resistiram, no século 13, à chamada Expansão Islâmica, aos ingleses no século 20 e capitanearam a independência do país, em julho de 2011.
O cinegrafista e cineasta moçambicano Nelson Mondlane, que me acompanhou na viagem, chegou a ser cercado por cinco dinkas armados de fuzis e depois correr esbaforido para dentro do hotel. Eu fui atrás. Os soldados entraram, reviraram o quarto, revistaram bolsas e malas, olharam detalhadamente documentos e vistos, até que um deles decretou que não poderíamos sair dali até ordem em contrário.
“Não me interessa que você seja do Brasil ou de qualquer outro lugar. Aqui não é lugar para vocês”. Tentei argumentar que declarara ao oficial de imigração do aeroporto que era jornalista e estava a trabalho, pagara por um visto e recebera um welcome como resposta, mas não adiantou. “Nunca se sabe”, disse o soldado. Ficamos sob vigilância até mesmo quando fazíamos as refeições no restaurante do hotel.
Na saída para o aeroporto, no terceiro dia após o ocorrido, um deles ainda tentou esboçar alguma simpatia. Brazil? I like football (Eu gosto de futebol). Mas, nem assim, conseguimos sorrir. (Texto de Emerson Penha, correspondente da Empresa Brasil de Comunicação, ligada ao Governo Federal, na África).