Policia

Soldador que acusou PM e depois PC é executado

Natanael se envolveu em denúncias de tortura e foi perseguido até a morte

FABRICIANO – O soldador Natanael Alves de Abreu, 25 anos, pivô de uma crise entre as polícias civil e militar no início deste ano foi assassinado no último domingo (28), com doze tiros. A vítima, que se envolveu em denúncias de tortura contra a PM e posteriormente mudou sua versão para incriminar a PC, foi perseguida até a morte na avenida Brasil, no bairro Santa Cruz, em Coronel Fabriciano.
Segundo as primeiras informações colhidas pela Polícia Militar, Natanael foi visto correndo de um indivíduo armado, que efetuava vários disparos contra ele. A vítima caiu e acabou morrendo em frente a uma igreja evangélica. Conforme consta no Boletim de Ocorrência da PM, o principal suspeito da autoria do homicídio seria um homem conhecido pelo apelido de ‘Lacraia’ – ele estaria próximo ao local onde foram encontrados os cartuchos. Ainda conforme o relato, o acusado foi visto retirando um objeto da cintura e entregando a outro indivíduo.
Uma equipe de policiais civis de Ipatinga foi designada para investigar o crime na cidade. Na manhã de ontem (29), os detetives estiveram na casa onde a vítima morava. Parentes de Natanael disseram que ele estava morando em Belo Horizonte e que no último fim de semana teria vindo à região para visitar os familiares.

TORTURA
Natanael mudou-se junto com mulher e filho depois de ter sido o centro de uma discórdia entre a Polícia Civil e Militar. Em uma entrevista feita pelo DIÁRIO POPULAR, em março deste ano, o soldador contou que foi torturado por policiais militares. Na primeira versão apresentada, Natanael afirmou que os PMs teriam introduzido um cassetete em seu ânus e depois jogado spray de pimenta em suas partes íntimas e em seus olhos.
Um dia depois, a suposta vítima de tortura mudou completamente a história contada à Polícia Civil e à reportagem. Durante entrevista concedida pelo presidente da Câmara de Fabricino, o ex-delegado Francisco Pereira Lemos (PSB), Natanael negou a tortura e disse que foi abordado pelos militares em uma ocorrência de tráfico de drogas, sendo obrigado por policiais civis a contar que fora vítima de tortura, em troca de sua liberdade. “Nada disso (tortura) aconteceu. A verdade é que eu fui preso em Timóteo, fui levado à delegacia de Ipatinga e lá eu fui detido. Pediram (policiais civis) R$ 5 mil para me liberarem e eu negociei em R$ 3 mil. Aí me soltaram para buscar esse dinheiro para eles, e eu não tenho esse dinheiro. Daí a Polícia Civil me localizou e me pediu a grana, como eu não tinha, pediram para falar tudo isso contra a PM e em troca eu não daria o dinheiro para eles”, contou à época.

LAUDO
Um laudo do Instituto Médico Legal contestou a segunda versão apresentada por Natanael. No exame, consta que a vítima sofreu ferimentos na região perianal, além de escoriações no quadril esquerdo, joelho e antebraço. Questionado na ocasião em que fora submetido ao exame no IML, Natanael informou que não teve acesso ao laudo até aquele momento. Manchas de sangue foram encontradas nas calças de Natanael, mas somente um exame de DNA poderia confirmar se o sangue era mesmo dele ou não. No entanto, a suposta vítima da tortura teria se recusado a fornecer material genético para a comprovação.

DINHEIRO
No dia em que Natanael negou a tortura, um parente da esposa dele disse à imprensa que o soldador resolveu mudar a história, porque “alguém” teria prometido a ele R$ 9 mil, em dinheiro. Segundo o familiar, no dia do crime, Natanael teria chegado em casa todo sujo de sangue, tendo sido orientado a procurar a Polícia Civil para denunciar o caso. “Ele está desmentindo porque já ofereceram R$ 500 e agora R$ 9 mil e ele quer pegar esse dinheiro para ir embora daqui. Porque ele sabe que se acontecer alguma coisa, eles vão matar ele”, disse o parente.

ENTENDA
As denúncias de suposta tortura foram além dos problemas entre civis e militares. A crise abalou até mesmo as estruturas da Polícia Civil, culminando no afastamento do então delegado regional João Xingó – hoje aposentado.
No dia em que Natanael voltou atrás nas acusações, o ex-delegado Francisco Pereira Lemos acusou duramente a Polícia Civil de Coronel Fabriciano de envolvimento em um esquema de corrupção chefiado pelo então Delegado Regional, Xingó.
Segundo o vereador, tudo era feito com a conivência e incentivo do Delegado Regional, que recebia parte do dinheiro e ainda o dividia com os chefes e corregedores da Polícia Civil. “Pode escrever aí que eu o chamei de “bandido”, afirmou Lemos, acrescentando: “Na minha casa, ele confessou que autoriza os policiais dele a pegar o dinheiro para dividir com ele e com os chefes dele”, acusou Lemos em março deste ano.
Xingó rebateu as acusações, trocou farpas com Lemos e também o chamou de bandido. No entanto, a sua defesa não o impediu de se afastar de suas atividades como policial civil. Pouco tempo depois, João Xingó se aposentou.

TRANSFERÊNCIAS
As acusações de Lemos foram parar na Corregedoria de Polícia Civil de Minas Gerais, que assumiu as investigações. Quatro meses após as denúncias, três detetives e um delegado de polícia foram transferidos da região do Vale do Aço. Até hoje não houve substituição dos profissionais transferidos, mantendo assim a delegacia de Coronel Fabriciano com um quadro de pessoal deficitário e um alto número de inquéritos parados.


Uma equipe de policiais civis de Ipatinga foi designada para investigar o crime       (Foto: Gizelle Ferreira)

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