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Situação de moradores de rua é tema de audiência em Ipatinga

Fotos: Gizelle Ferreira

IPATINGA – Estima-se que a população de rua em Ipatinga chega a 250 pessoas. Na cidade existe apenas um albergue com capacidade de 50 atendimentos por dia. Na Unidade de Acolhimento Videiras localizada na rua Santa Bárbara, no Centro da cidade, eles tomam banho, comem e dormem.

Durante o dia, os moradores vivem pelas ruas da cidade, perambulando e, em algumas situações, à procura de emprego. Este é o caso de Cristiano Ferreira de Oliveira, 37 anos, natural de Coronel Fabriciano. Ele mora nas ruas de Ipatinga há seis anos, por não combinar com o pai. Ele alega não ter nenhum vício e nunca ter se envolvido com drogas. Garante que tem a “ficha limpa”.

Cristiano vive de “bicos” para conseguir se manter. Mas, o sonho está em conseguir um emprego de carteira assinada. O problema é que ninguém quer lhe dar emprego quando descobre que o seu endereço é o albergue. Ele possui uma carteira de habilitação nas categorias A e B.

“Esta semana mesmo eu fui a um estabelecimento que precisava de entregador. Preenchi tudo que foi necessário. Apresentei minha carteira, mas quando eu disse que moro no albergue me mandaram guardar os documentos. Em Fabriciano, onde minha família mora, emprego está mais difícil que aqui”, contou.

PRECONCEITO

Denis Augusto Lessa Firmiano, também morador de rua, destaca que mesmo estudando ainda passa por muitos preconceitos. “Quando descobrem que a gente tem pouco estudo e que moramos no abrigo, nos tratam com indiferença. Quando vamos aos hospitais, não temos atendimento adequado, só porque às vezes estamos sujos”, disse, acrescentando que ano que vem se forma e o sonho é fazer faculdade de Assistência Social.

DAS RUAS PARA CASA
O caso do ex-morador de rua Alex Maciel Teixeira, 35 anos, natural de Salvador, mas residente em Belo Horizonte, é um exemplo a ser seguido. Ex-usuário de crack, viveu por 10 anos nas ruas da capital mineira na ilusão de um dia conseguir chegar a São Paulo.

Ele conta que o que mais o ajudou a sair das ruas foi o apoio que encontrou no Centro de Referência de População de Rua. “Este Centro me proporcionou outra visão, me permitiu participar de oficinas e eu abri meu entendimento para a política pública que existe na cidade e foi aí que conheci o Movimento Estadual de População de Rua do qual faço parte há seis anos”, contou.

Hoje, mora de aluguel pago pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Para ele, a única solução para resolver o problema da população de rua é a implementação de políticas públicas. “Tem que mostrar para o poder público que este é um problema sério e grave na cidade e hoje eu e muitos colegas conseguimos, com muita luta, este aluguel social. Mas, para conseguirmos isso foram muitas reuniões, audiências e conversas com a Prefeitura. Foram mais de cinco anos para termos este direito à moradia”, finalizou.

RUA DO RESPEITO

Uma audiência pública sobre a população de rua foi realizada nesta terça-feira na Câmara Municipal de Ipatinga, promovida pelo Ministério Público Estadual. Os principais assuntos abordados foram os direitos fundamentais das pessoas em situação de rua, especialmente em relação à moradia, trabalho, renda, assistência social e saúde.

A iniciativa faz parte do projeto “Rua do Respeito”, que tem como objetivo promover a inclusão social e o resgate dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais dessa população vulnerável. O Coordenador de Inclusão e Mobilização Social, o promotor de Justiça Paulo César Vicente, explica que o principal objetivo destas reuniões é levar ao conhecimento da sociedade o fenômeno crescente dos moradores de rua.

“Os números com relação a essas pessoas são alarmantes. Isso nos preocupa e não podemos aceitar. Para se ter uma ideia, enquanto a média de mortalidade da população brasileira é de 100 por cada 1000 habitantes, na população de rua, de 2011 a 2014, morreram 172 moradores de rua vítimas de homicídio em Minas Gerais”, citou.
No último fim de semana um morador de rua morreu assassinado a pauladas no bairro Bom Retiro em Ipatinga. Vando de Jesus Santos, 34 anos, era natural de Trancoso/BA, mas vivia há vários anos nas ruas de Ipatinga. O autor do crime ainda não foi identificado.

INICIATIVA PRIVADA
Ainda segundo o promotor Paulo César, resolver o problema dos moradores de rua pode ir muito além das políticas públicas. Ele cita que empresas privadas podem aderir ao Termo de Cooperação Técnica (TCT) no sentido de desenvolver projetos de empregabilidade.

“Em BH, nós temos empresas que estão fomentando a contratação de pessoas em situação de rua. Nós temos muita gente de valor nas ruas, capacitada, mas quando a pessoa requer a vaga de emprego e mostra que o endereço é o abrigo, ela é rejeitada e perpetua aquela situação”, esclareceu, acrescentando que 94% dos moradores de rua querem deixar esta situação.

“Ninguém está na rua porque quer. Às vezes a pessoa está na rua por razões de drogas, desavença familiar e falta de desemprego, que neste momento de crise tende a aumentar. Então, nos temos que buscar implementação das políticas e correr atrás de outras estratégias”, finalizou.

DÉFICIT

Em Ipatinga, a Curadoria dos Direitos Humanos e Comunitário da 2ª Promotoria de Justiça acompanha de perto a situação dos moradores de rua. Para a promotora Graciele de Rezende Almeida os serviços prestados são insuficientes para atender a demanda da população de rua da comarca de Ipatinga.

“Por exemplo, o acolhimento noturno oferece 50 vagas por dia e nós temos aproximadamente 250 pessoas em situação de rua. Temos um déficit de 200 vagas. Nós precisamos aprofundar as discussões sobre se realmente é necessário criar mais vagas ou pensar em outras políticas públicas de moradia, como o aluguel social ou república”, exemplificou.

Entre as atribuições do MP estão: possibilitar a regularização de registro de nascimento, a garantia ao medicamento e atendimento médico e internação compulsória. Os pedidos são feitos junto ao Poder Judiciário. “Na verdade tudo que diz respeito à população de rua diz respeito ao Ministério Público”, disse.


Para a promotora Graciele, é preciso entender a trajetória dos moradores de rua antes de julgar

“Morador de rua é um problema de todo mundo”, diz promotora

Os moradores de rua estão por toda parte, debaixo de marquises, praças públicas, em frente a estabelecimentos comerciais, rodoviárias e isso muitas vezes pode causar certo incômodo para quem passa e vê a situação e aos comerciantes, que muitas vezes se sentem prejudicados.

Para a promotora Graciele de Rezende este é o problema de todo mundo e não exclusivamente dos órgãos públicos. “As pessoas tem que entender que aquele ‘incômodo’ que se sente quando você passa em praça e as pessoas estão lá, não é um problema só do Ministério Público ou da Prefeitura. É preciso entender as causas do fenômeno, conhecer a trajetória dessas pessoas para juntos buscarmos solução para todo mundo”, disse a promotora.

Graciele ainda acrescenta que é um mito dizer que essas pessoas não querem deixar as ruas. “Nós temos que tirar os estigmas dessas pessoas. Ali também tem pessoas que estão estudando e trabalhando. Tem pessoas usuárias de droga e alcoólatras? Tem. Mas para isso nós precisamos de políticas públicas eficientes para resolver este problema”, finalizou.


O promotor Paulo César diz que números de homicídios envolvendo moradores de rua é alarmante


PMI destaca a Rede de Atenção

IPATINGA – Audiência pública com o tema “Rua do Respeito: Direitos Fundamentais das Pessoas em Situação de Rua”, também contou com a participação de representantes da Prefeitura de Ipatinga, cujo papel foi apresentar a política municipal para população de rua, implantada em agosto de 2013 no município.
“O município trabalha de forma intersetorial para tornar esta política efetiva e que atenda aos direitos da população em situação de rua. As secretarias de Assistência Social, Saúde, Educação e Cultura, Esporte e Lazer andam juntas para garantir o acesso da população de rua aos serviços públicos”, declarou a secretária de Assistência Social de Ipatinga, Edilene Eufrásia Costa Roque, durante a audiência.

Vivendo nas ruas de Ipatinga há dois meses, Eduardo Alves, de 36 anos, fez uso da tribuna para sugerir melhorias para o serviço prestado pelo município à população de rua e se queixar também da falta de oportunidades no mercado de trabalho.
“Não estou nas ruas por que eu quero. Tenho vontade de voltar a andar com as minhas próprias pernas. E sei que muitos aqui presentes nesta audiência têm o mesmo desejo”, desabafou. “Temos capacidade, não temos oportunidade. Quando as pessoas veem em nosso currículo que temos como endereço o Projeto Videiras ou o Centro POP, logo deixam de nos contratar por preconceito”, completou Eduardo.

REDE DE ATENÇÃO
Inaugurado em fevereiro de 2014, o Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP) oferece acompanhamento especializado, individual e em grupo, serviço de guarda de pertences à população de rua. A unidade também é utilizada como endereço de referência para cadastro em programas sociais, de transferência de renda e entrevistas de emprego.
Oficinas de artesanato e aulas de música fazem parte da rotina diurna da população em situação de rua atendida pelo Centro POP. Em parceria com o Movimento de Mulheres de Ipatinga e Secretaria de Educação, as atividades têm o objetivo de trabalhar a autoestima dos usuários, incentivando o retorno aos estudos, ao mercado de trabalho e o convívio social. O Centro POP também sedia o Programa Esporte e Lazer da Cidade (Pelc) com atividades esportivas, culturais e de lazer.

O abrigo noturno para população em situação de rua também é ofertado pela Prefeitura, por meio de convênio com a Associação Projeto Videiras. Além do serviço de pernoite, com capacidade para atender até 50 pessoas, são fornecidas duas refeições para cada abrigado – café da manhã e jantar.
Ipatinga é o primeiro da Região Metropolitana do Vale do Aço e do colar metropolitano a ter uma equipe do Consultório na Rua. Além de oferecer cuidados básicos no próprio espaço da rua, a equipe multiprofissional do programa encaminha os usuários para os demais serviços disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde e pela rede socioassistencial.

A secretária Edilene Eufrásia enfatizou os serviços prestados pela PMI

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