Cidades

Pesca informal no Rio Doce ainda sem indenização

BRASÍLIA – Mais de três anos após o rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana (MG), centenas de pescadores atingidos em toda a bacia do Rio Doce ainda não receberam nenhuma indenização. Cada vez mais descrentes em relação à reparação dos danos, eles reclamam que a demora agrava os problemas financeiros. Segundo a Fundação Renova, entidade criada para reparar os prejuízos decorrentes da tragédia, a dificuldade na indenização se dá por causa da informalidade desses pescadores. Mas uma metodologia foi desenvolvida para superar os impasses neste ano.

CRITÉRIOS

Em linhas gerais, a proposta consiste na elaboração da chamada cartografia da pesca, que reunirá as características da atividade em cada comunidade. Assim que ela estiver concluída, os pescadores informais serão chamados e deverão entregar uma declaração na qual mais dois pescadores confirmam suas atividades. A partir daí, eles participarão de entrevistas de autonarrativa, cujo conteúdo será avaliado considerando sua compatibilidade com a cartografia da pesca na região. Ao fim do processo, será decidido o deferimento da indenização.

Peixe morto durante passagem da lama pelo Rio Doce, em Valadares, por causa do rompimento de duas barragens em Mariana (Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios/Divulgação)

PESCADOR DE FATO

Essa metodologia, que ganhou o nome de Pescador de Fato, já está sendo testada em um projeto-piloto que envolve três comunidades. Em dezembro do ano passado começou em Regência e Povoação, distritos de Linhares (ES), na foz do Rio Doce. Nesta semana, teve início a elaboração da cartografia da pesca de Conselheiro Pena (MG). No fim da mês, a população será chamada para uma reunião em que receberá explicações sobre o processo de atendimento. No segundo semestre, o projeto poderá ser estendido para o restante da bacia.

“A participação das comunidades pesqueiras foi fundamental para o desenvolvimento dessa proposta inovadora. O termo ‘pescador de fato’ foi criado pelas próprias comunidades”, diz André Vasconcelos, que atua no Programa de Indenização Mediada da Fundação Renova. Ele explica que há ainda outra alternativa que substitui a entrevista de autonarrativa. Trata-se da apresentação de documentos oficiais secundários que possam comprovar a atividade pesqueira. “Pode ser, por exemplo, a certidão de casamento ou a certidão de nascimento do filho que tenha sido registrada antes do rompimento da barragem, no qual esteja constando a profissão de pescador”, explica. Nesse caso, embora elimine a necessidade da entrevista, o atingido ainda deve apresentar a declaração assinada por mais dois pescadores que reconheçam suas atividades.

COMERCIAL

André lembra que, em 2017, começaram a ser pagas indenizações a pescadores que têm a carteira da pesca e o Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) ativo no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Nesse sentido, a nova metodologia é voltada para os atingidos que atuavam na pesca comercial e tinham a atividade como principal fonte de renda, mas não têm o documento que oficializa a profissão ou estão com o RGP suspenso porque não atualizaram seus cadastros.

“Há pescadores que têm somente carteiras antigas. Além disso, há ribeirinhos que, devido à sua simplicidade e ao seu modo de vida, muito ligado ao dia a dia da comunidade, não têm o documento. E diante dessa informalidade, esse público se viu alijado do processo e passou a demandar à Fundação Renova para que fossem reconhecidos entre os atingidos”, disse André.

DESCRENÇA

A mesma dificuldade foi enfrentada por Fernanda de Souza, moradora de Barra do Cuieté, um distrito de Conselheiro Pena. Ela participou, no início da semana, da oficina de elaboração da cartografia da pesca, mas está descrente. “A Fundação Renova já veio aqui, fizeram uma vistoria do nosso material. Tiraram fotos da rede, das tarrafas, das varas, do caíque. Chegamos a receber, em 2017, uma carta reconhecendo que fomos impactados e informando que seríamos indenizados. Mas nunca saiu do papel”, afirmou.

VALADARES

Fernanda explicou que ela e o marido tinham a pesca como única fonte de renda. Além de vender na própria comunidade, eles comercializam o pescado em Governador Valadares (MG), mas nenhum dos dois tinha a carteira e o RGP. Ela acrescentou que há peixes na região onde mora, mas não pesca porque não consegue vender, uma vez que a desconfiança fez os clientes desaparecerem. Também há regras restritivas para a pesca no Rio Doce, que vigoram desde maio de 2017. Segundo Fernanda, sua situação financeira nunca esteve tão ruim.

“Moramos de aluguel. Durante um tempo, meu marido fazia um bico aqui e ali de pedreiro, mas depois não conseguiu mais trabalho. Estamos sem renda e a ponto de sermos despejados porque não pagamos o aluguel neste mês. Meu marido acabou surtando e está internado. Estou com as contas de água e luz todas atrasadas. Antes atrasava uma conta, mas depois pagava. Agora está tudo atrasado. E fiquei sozinha para enfrentar esse monte de problema”.

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