Opinião

Os indígenas e o calibre da espingarda

(*) Fernando Benedito Jr.

O governador de Roraima, Antonio Denarium, mesmo diante das cenas de índios famélicos e das mortes causadas pela desnutrição, não se abala. Tentou normalizar o genocídio – e tem público. Culpa os governos dos últimos 20 anos e passa pano para o último governo. Expõe seus pensamentos com desenvoltura, sem nenhuma vergonha e menos ainda piedade, como se tivesse absolutamente coberto de razão.

Ele declarou que a situação de doença e fome dos yanomamis de seu Estado são casos isolados, defendeu que nem todos são subnutridos e nas filas de doação de alimentos tem um tanto de indígenas saudáveis, gordinhos, que deveriam ser aculturados e fazer como os indígenas de Nova York que exploram cassinos em suas reservas e são ricos. “Tenho 260 escolas em comunidades indígenas. Eles querem ser advogados, professores, médicos. Eu acho correto. Eles [indígenas] têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho. Eles têm que estar lá com condição, com estrada, escola, posto de saúde, fazendo agricultura deles, produzindo macaxeira, farinha”, afirmou o governador.

À primeira vista, parece que Denarium é bonzinho e deseja só o bem destes povos abandonados do Estado que governa. Denarium, na verdade, patrocina a violência e quer aniquilar a cultura dos povos originários com sua ideia de “aculturá-los” para ficarem ricos e maus como os garimpeiros.

Aliado de Bolsonaro e defensor do garimpo em terras indígenas, Denarium, cujo nome remete a dinheiro (denarium vem do sistema monetário romano e refere-se à moeda de prata que era a de maior circulação no Império Romano), assim como Bolsonaro, só manifestou sua crueldade.

É espantoso como alguém com esta mentalidade consegue se eleger e reeleger-se, mas o financiamento de campanha pelo garimpo ilegal, pelos madeireiros e pelo agro, mais as fake news, e a manipulação de um eleitorado pouco esclarecido, explica o fenômeno.

O que não se explica é a insensatez do governador diante do genocídio, sua lógica meritocrática frente à desigualdade de oportunidades, sua desfaçatez para tentar justificar o que não fez, culpando os outros.

Que os indígenas são “bichos” no meio da mata, ele já falou. É a mesma mentalidade dos colonizadores que dizimaram quase todas as etnias originárias ao longo dos últimos séculos, alegando que eram animais e não tinham alma, e pelos mesmos motivos: terras, ouro, prata, metais valiosos e pedras preciosas.

Só mudou o calibre da espingarda.

(*) Fernando Benedito Jr é editor do DP.

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