Cultura

Massacre de Ipatinga é tema de exposição em Ouro Preto

Dinah foi a primeira enfermeira da Usiminas, atendeu muitos feridos, mas não viu ninguém morrer
(Fotos: Nilmar Lage)

IPATINGA – O fotógrafo ipatinguense Nilmar Lage apresenta na mostra “Fotógrafos em Ouro Preto”, do dia 1º a 4 de agosto, um relato do massacre de 7 de outubro de 1963 narrado por alguns de seus personagens. Nilmar diz que o projeto está em fase de finalização (work in progress), pois ainda existem pessoas a serem ouvidas, mas já será apresentado na forma atual.

Segundo ele, após passagem da exposição “Rua de Baixo” no museu Casa dos Contos em Ouro Preto, foi convidado para expor no encontro “Fotógrafos em Ouro Preto” (http://www.fotografosemouropreto.com.br). A iniciativa reúne trabalhos que estejam alinhados com o conceito que envolve a volta às origens em busca de reconhecimento, a uma reflexão sobre a dinâmica das cidades e do comportamento urbano. A partir daí, foi concebido “Senta a Pua”, cuja ideia é recontar o episódio acontecido em outubro de 63, envolvendo a Polícia Militar, vigilância da Usiminas e operários da empresa. O trabalho será uma espécie de documentário, pois junto às fotografias, haverá o depoimento dessas pessoas.

O MASSACRE
Em 7 de outubro de 1963, trabalhadores da Usiminas, após uma série de manifestações de protesto contra a vigilância e as condições de trabalho e moradia oferecidas pela empresa, fizeram uma paralisação e logo depois entraram em confronto com a PM. Por volta de 7 horas da manhã, cerca de 4 mil operários, 19 policiais e um fuzil FMZB, em cima de um caminhão Opel, estavam na portaria da empresa quando teria vindo a ordem: “Senta a pua!” Os policiais abriram fogo contra a multidão e até hoje não se sabe ao certo o número de mortos.

O fato é que esta tensa manhã de outubro ficou, durante muitos anos, propositalmente, no ostracismo da memória ipatinguense. Além disso, indícios apontam para alguma ligação com o golpe de 64, como um exemplo do que poderia acontecer a quem se opusesse à tomada do poder pelos militares. Próximo do “aniversário” de 50 anos do episódio, a proposta foi trazer alguns personagens mais uma vez a público, dando-lhes autonomia para relatarem sua versão.

PERSONAGENS

Tenente Xavier era o comandante da cavalaria, segundo ele os trabalhadores foram vítimas de uma polícia e uma vigilância despreparada para aquela situação de conflito. José Francisco era primeiro sargento, comandado por Xavier e acha duvidoso um fuzil que dispara mais de 300 tiros por minuto, acertar fatalmente “apenas” 8 pessoas. Dinah foi a primeira enfermeira da Usiminas, atendeu muitos feridos, mas não viu ninguém morrer. Cley era o motorista do caminhão que transportava o FMZB, segundo ele, haveria um massacre caso o policial não atirasse contra os “baderneiros”. Hélio Mateus era operário, ainda tem uma bala alojada nas nádegas e a carteira com as notas perpassadas pelo projétil. Hélio Guimarães era vigilante, e conta que pessoas “saíam da roça”, sem preparo para ocupar o cargo de vigiar e punir os trabalhadores. José Horta, operário, morava próximo aos alojamentos onde a confusão começou, no dia 6. Ele diz que viu, mas não contou, mais de 40 mortos. Helena era criança, lembra da preocupação dos pais e de ter ficado escondida numa floresta. Deusdedith, operário e comunista, liderava quatro “grupo dos 11”, recebeu treinamento do grupo do Brizola, mas diz que a greve do dia 7 não foi comandada por ele. Adil

Albano há 50 anos tenta esquecer o que foi convidado a lembrar nesse trabalho. Enias de Souza levou um tiro que pegou de raspão e foi carregado com duas vítimas fatais em um caminhão.
Com base no conceito de Walter Benjamin, esses narradores tiveram voz para falar sua verdade. Sem julgamento de valor, mas com certa tendência (“a objetividade é uma falácia”), “Senta Pua” foi montado para recontar o episódio conhecido como Massacre de Ipatinga.

O trabalho está em fase de finalização (work in progress), pois ainda existem pessoas a serem ouvidas, mas já será apresentado no “Fotógrafos em Ouro Preto”, do dia 1º a 4 de agosto na cidade histórica.

NILMAR LAGE
Jornalista pela Unileste/MG, pós-graduando em Artes Visuais pela UFMG trabalha profissionalmente com fotografia desde 2006. Realiza trabalhos em vídeo desde 2005. Foi professor de Fotojornalismo e Comunicação Comparada do Curso de Comunicação Social/Jornalismo das Faculdades Integradas de Caratinga (FIC). Ministrou, em Ipatinga, cursos de fotografia analógica do Coletivo275 e as oficinas “A poesia está no tato e na audição” e “O homem inserido na paisagem”. Ministrou também a oficina de documentário “Autorretrato, olhares da juventude”. Diretor e fotógrafo da agência “cilindrO_Ocular”. Desde 2007 é fotografo do Hibridus Dança. Membro fundador do coletivo POROLHOS. Realizou exposições coletivas e individuais no Vale do Aço, e em outras cidades.


José Horta, operário, morava próximo aos alojamentos onde a confusão começou, no dia 6


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