Cidades

Gastos com plantão médico em Ipatinga passam dos limites e afrontam bom senso

Fernando Benedito Jr.

Prefeitura gasta mais de R$ 2 milhões com plantonistas que receberam valores de R$ 30 mil, 50 mil, 80 mil e até R$ 105 mil; alguns fazem jornadas de 24 horas e ainda trabalham no dia seguinte; recursos poderiam ser melhor distribuídos com a contratação de mais profissionais

(DA REDAÇÃO) – A sobrecarga do sistema público municipal de saúde de Ipatinga, referência para várias cidades do Leste de Minas é uma realidade que coloca o município em situação grave. Não bastasse isso, a cidade ainda sofre com a falta de repasses para setor pelos governos estadual e federal; a demanda pelos serviços é crescente; e a falta de médicos leva a Prefeitura a abrir quase mensalmente editais de contratação de novos profissionais, em várias especialidades, cujas vagas nem sempre são preenchidas. O quadro se agrava ainda mais com o excesso de plantões e os gastos dele advindos que, ao invés de melhorar, tende a piorar a já combalida situação dos cofres públicos e dos serviços de urgência e emergência na cidade. Por outro lado, é um gasto excessivo que não melhora em nada a qualidade dos serviços prestados à população.

RPA

O plantão médico nas unidades e serviços de urgência em Ipatinga, como a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), Hospital Municipal e Serviço Móvel de Urgência (SAMU), gastou mais de R$ 2 milhões de reais do caixa da Prefeitura, conforme os últimos lançamentos no Portal da Transparência em 2019, contabilizados aí somente os que receberam acima de R$ 15 mil. Este tipo de serviço é regulamentado pela Lei 3.303, de 10 de janeiro de 2014 (ver a íntegra abaixo) e prevê a contratação do serviço de profissional médico, qualquer que seja a especialidade, para a realização de plantão nas Unidades e Serviços de Urgência do Município de Ipatinga.

Os serviços dos plantonistas são prestados na UPA, Hospital Municipal e SAMU

O Diário Popular realizou uma pesquisa no Portal da Transparência e filtrou apenas os profissionais que receberam valores acima de R$ 15 mil através do Recibo de Pagamento a Autônomo (RPA). Em muitos casos, os valores médios pagos aos profissionais de medicina estão acima de R$ 20 mil e chegam a R$ 105 mil. Conforme a lei, para cada plantão de 12 horas efetivamente realizado será devido ao profissional emitente de RPA o valor de R$ 1.100,00.

EXCEPCIONALIDADE

A legislação estabelece ainda que “prestação dos serviços será realizada em razão da necessidade emergencial considerando o interesse público, quando o servidor médico, contratado ou efetivo faltar ao trabalho no seu horário normal ou de plantão”.

Entretanto, o que se verifica na análise dos pagamentos efetivados é que muitos profissionais acumulam plantões seguidos de vários dias. Alguns plantonistas chegam a trabalhar 24 horas seguidas e fazem novo plantão no dia seguinte.

Além de descaracterizar a excepcionalidade prevista na lei para a realização dos plantões, a atividade constitui uma sobrecarga de trabalho humanamente impraticável, além de estabelecer um verdadeiro vínculo empregatício, dada à grande quantidade de horas trabalhadas, muitas vezes seguidamente.

É sabido que o exercício da medicina, principalmente nos serviços de urgência e emergência exige atenção e acuidade dos profissionais envolvidos. São casos em que os pacientes chegam às unidades de atendimento com traumas e em estado grave. O excesso de trabalho pode ser um risco a mais para estes pacientes, já que a capacidade cognitiva e de avaliação pode ficar comprometida com a sobrecarga dos profissionais, o que leva a um questionamento sobre os limites éticos destas jornadas extensas.

Médicos da própria rede pública que exercem a jornada normal de trabalho avaliam que o excesso de plantões é injustificável. “É um recurso que poderia ser melhor distribuído com a contratação de mais médicos para a jornada normal de 6 horas diárias”, diz um deles, que prefere não se identificar, avaliando que o que se paga de plantão a um só médico poderia ser utilizado para pagar outros 4 com um salário mensal de R$ 25 mil.

A Prefeitura de Ipatinga foi contatada para se manifestar sobre o assunto, mas não se posicionou. Tão logo sua versão seja enviada, será publicada.

Veja o que diz a lei que regulamenta o plantão médico

Lei Nº 3303 de 10/01/2014

“Autoriza o Poder Executivo a contratar a prestação de serviço autônomo de profissional médico em regime de plantão, nas Unidades e Serviços de Urgência no Município de Ipatinga.”

A PREFEITA MUNICIPAL DE IPATINGA.

Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica autorizado o Poder Executivo Municipal a contratar o serviço de profissional médico, qualquer que seja a especialidade, para a realização de plantão nas Unidades e Serviços de Urgência do Município de Ipatinga, nos termos desta Lei.

§ 1º A prestação dos serviços de que trata o caput deste artigo será realizada em razão da necessidade emergencial considerando o interesse público, quando o servidor médico, contratado ou efetivo faltar ao trabalho no seu horário normal ou de plantão.

§ 2º Entende-se por Órgão competente, para efeitos desta Lei, o servidor responsável pela Unidade Hospitalar requisitante, indicado pelo Secretário Municipal de Saúde.

§ 3º O pagamento ao médico, trabalhador autônomo, será formalizado através do Recibo de Pagamento a Autônomo – RPA, documento comprobatório da execução dos serviços.

§ 4º O pagamento mediante RPA não ensejará, em hipótese alguma, vínculo empregatício com o Município.

§ 5º O pagamento mediante RPA somente será efetivado ao profissional devidamente inscrito no Cadastro de Contribuintes da Prefeitura de Ipatinga, mediante comprovação da regularidade fiscal.

§ 6º É vedada a contratação de profissional médico, nos termos da presente Lei, para substituir profissional em greve.

Art. 2º Para cada plantão de 12 (doze) horas efetivamente realizado será devido ao profissional emitente de RPA o valor de R$ 1.100,00 (hum mil e cem reais).

Parágrafo único. Fica autorizado o Poder Executivo a proceder ao reajuste do valor constante no caput mediante Lei.

Art. 3º O profissional autônomo não fará jus a nenhum benefício em razão da prestação do serviço a que se refere esta Lei, senão o previsto no artigo segundo, não sendo devidos 13º (décimo – terceiro) salário, férias, férias proporcionais, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS ou qualquer outro direito ou benefício devido ao servidor público do Município de Ipatinga.

Art. 4º VETADO.

Parágrafo único. VETADO.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Ipatinga, aos 10 de janeiro de 2014.

Maria Cecília Ferreira Delfino

PREFEITA MUNICIPAL

Secretário que criou RPA defende sua importância, mas com moderação

IPATINGA – O ex-secretário de Saúde de Ipatinga, Eduardo Penna, em cuja gestão foi implantado o RPA, destacou “que este mecanismo, essa ferramenta do RPA já existe há muito tempo, em vários lugares, como na Região Metropolitana de BH, por exemplo, onde se trabalha nesta lógica, do pagamento por plantão realizado”.

Ele lembrou que a implantação do RPA em Ipatinga coincidiu com a implantação da UPA e se deve a vários fatores. “Originalmente a ideia era sempre ter como recorrer a plantonistas nos casos de urgências em que, às vezes, algum médico concursado não possa ir ao plantão, não tem ninguém para cobrir a ausência e você utiliza o RPA nestas situações. Na prática o que acontece também é que a administração vai fazendo vários concursos e não consegue atrair médicos plantonistas para urgência, com maior peso no caso da pediatria, que se tornou uma especialidade de baixa oferta no mercado, principalmente para plantões na urgência”.

Penna diz ainda que diante deste cenário, da falta de médicos contratados, “vai se lançando mão do que se consegue, porque na verdade o parâmetro, mais ou menos nos dias de hoje seriam plantões de 12 ou 24 por semana, cerca de 8 plantões por mês, na faixa de R$ 1.200 reais, o que daria em torno de 10 mil por mês.

O ex-secretário salienta ainda que muitos médicos preferem esta modalidade porque ela proporciona mais liberdade. “O médico não precisa fazer contrato, um concurso onde é obrigado a cumprir uma jornada de 96 horas de plantão. Então, encaixa alguns plantões dentro da disponibilidade dele, compartilhada com consultórios , outros hospitais.

Sobre a média do número de plantões, ele diz que “muitas vezes, um médico dá 3, 4 plantões num mês, outros fazem 8, 10 plantões, depende muito do mês. Mas, certamente, não é um mecanismo para ser permanente e num volume muito alto por profissional”.

Eduardo Penna comentou ainda o processo de convocação dos médicos plantonistas. Segundo ele, na época de implantação do RPA, foi feito um acordo com o Ministério Público. “Nós criamos um sistema que fica disponibilizado no site da Prefeitura em que médico se cadastra, detalhando sua especialidade, seus dados completos, a disponibilidade de dia e horário de plantão. Isso é público e pode ser acompanhado por todo profissional, por todo cidadão. Neste sistema, o médico informa se pode dar plantão, em qual especialidade e a gerência da área de urgência ou da unidade de urgência lança mão deste cadastro. Os profissionais convocados de acordo com a ordem de cadastro e de disponibilidade para o dia e horário de plantão para a especialidade dele. Neste sentido é dada toda a publicidade possível para que não haja desigualdade de competição entre os profissionais”.

Eduardo Penna defende o sistema de RPA, mas pondera sobre a importância de contratos e concursos mais estáveis. “O RPA é um mecanismo muito útil, mas para cobrir eventuais buracos na escala de plantão até que se consiga fazer contratos e concursos mais estáveis.Isso é muito importante, porque você tendo uma tendo uma equipe estável nos quadro na PMI você pode investir em treinamento, cria uma cultura de equipe, onde se pactua o atendimento, o funcionamento da unidade, em casos de férias profissionais, por exemplo”, finaliza.

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