Cidades

Contrato de R$ 4,4 milhões entre PMI e FIA é questionado no MP

Prefeitura suspendeu licitação mais barata, eliminou concorrência e contratou serviços até 10 vezes mais caro; FIA presta serviços de revisão do Plano do Plano Diretor, Reforma Administrativa e reforma do Código Tributário

IPATINGA – O Instituto Cidades entrou com representação junto à 10ª Promotoria Estadual em Ipatinga, denunciando supostas irregularidades e malversação de recursos públicos no contrato celebrado entre a Prefeitura de Ipatinga e a Fundação Instituto de Administração (FIA). O contrato, sem licitação, tem o valor global de R$ 4.482.202,80 milhões e prevê a prestação dos serviços de revisão do Plano do Plano Diretor (R$ 1.910.400,00), reforma e modernização administrativa (R$ 1.721.452,80) e reforma do Código Tributário Municipal (R$ 850.350,00). Em 28 de janeiro de 2021 o secretário de Planejamento, Sidnei Bispo, cancelou a licitação 020/2020 e no dia 10 de fevereiro de 2021 o Diário Oficial do Município publica a sua revogação. O contrato com a FIA, por dispensa de licitação, foi assinado em 18 de outubro de 2021 pelo então secretário de Planejamento Paulo George Lacerda Conceição.

VÍCIOS

Além da ausência de licitação, a representação aponta diversos outros questionamentos, como os valores cobrados para a revisão do Plano Diretor, que duplicaram; e no caso da modernização administrativa aumentaram em 10 vezes o valor cotado inicialmente.

A denúncia aponta as facilidades e redução de exigências para os serviços prestados enquanto os valores aumentaram, evidenciando benefícios à contratada; a exclusão e alijamento dos técnicos da Prefeitura no processo de revisão do Plano Diretor, mas o aproveitamento de seus serviços e trabalhos; entre outras incongruências, como os argumentos usados para cancelar a licitação aberta ainda durante o governo do ex-prefeito Nardyello Rocha e cancelada pelo atual para promover uma contratação sem licitação com valores bem mais elevados.

VALORES

Para se ter uma ideia, a revisão do Plano Diretor foi inicialmente cotada ao preço “máximo” de R$ 767.812,00 (ou seja, aberta a licitação, poderia ser reduzido ainda mais) e o atual governo assinou o contrato por R$ 1.910.400,00. Outro contrato abusivo é o da reforma administrativa. Ao final de seu mandato o ex-prefeito Nardyello Rocha havia celebrado um contrato com a Fundação João Pinheiro, uma instituição de notória especialidade e saber, no valor de R$ 186 mil. O contrato foi cancelado pelo atual governo, que celebrou outro, desta feita também com a FIA, no valor de R$ 1.721.452,80.

Apesar dos valores abusivos, um dos argumentos usados para suspender os contratos anteriores e celebrar o atual foi a “economicidade”.

SEM CRONOGRAMA

Na representação ao MP, o Instituto Cidades destaca que de acordo com o cronograma apresentado no contrato, o prazo para a realização dos trabalhos é de 1 ano, sendo que há apenas uma leve referência sobre a evolução do pagamento em função de “relatórios apresentados”, que se seguirão da “apresentação de notas fiscais”, ou seja, não existe um cronograma físico-financeiro associado ao Contrato.

“Note-se que a reforma do Código Tributário está prevista para ser feita em apenas 3 (três) meses de trabalho, o que dá uma média mensal de custo de quase 300.000 reais!”, diz a representação.

“Entretanto – prossegue –, o fato é que até agora, neste mês de agosto de 2023, 1 (um) ano e 10 (dez) meses depois da assinatura, NENHUMA das três reformas foi concluída, e acumulam-se descontentamentos com os trabalhos realizados, e fortíssimas suspeitas com esta contratação”.

HISTÓRICO

No dia 14 de outubro de 2020 (ano final do governo anterior do ex-prefeito Nardyello Rocha), em razão da necessidade de Revisão do Plano Diretor e da Elaboração do Plano de Mobilidade Urbana do Município de Ipatinga, foi publicado no Diário Oficial Eletrônico do Município o Aviso de Publicação de Licitação, Concorrência Pública nº 020/2020 (SEPLAN), Tipo Técnica e Preço, para contratação conjunta de ambos os serviços.

“Existe uma lógica em contratar ambos os Planos simultaneamente, e de uma única empresa, pois ambos estão intimamente ligados, e ambos são temas a serem tratados pela mesma categoria técnica de profissionais, notadamente arquitetos e engenheiros”, anota a representação do Instituto Cidades.

No edital da concorrência constava prazo estimado de execução de 10 meses, e eram os seguintes os valores médios estimados como LIMITES MÁXIMOS por ocasião da abertura da licitação:

Plano Diretor = R$ 767.812,00

Plano de Mobilidade Urbana = R$ 1.876.385,00

Total = R$ 2.644.197,00

LICITAÇÃO CANCELADA

Os envelopes de qualificação técnica e jurídica foram abertos pela Comissão Especial de Licitação em 30 de novembro de 2020, data prevista no edital, e houve 8 (oito) participantes, sendo 7 consórcios e 1 empresa:

1 – Consórcio GPO – JW Urbana – COMAP;

2 – Consórcio Cidade Viva Engenheiros e Arquitetos Associados Ltda

– CADAVEL Arquitetura e Urbanismo Ltda;

3 – Consórcio PLANURB;

4 – Consórcio Pólis – Oficina;

5 – Consórcio IBAM – SINERGIA – FACTUAL;

6 – Consórcio CONCREMAT – CERTARE – TESE;

7 – Consórcio ETHOS – IMTRAFF;

8 – URBTEC TM Engenharia, Planejamento e Consultoria Ltda.

Entretanto, antes da abertura dos envelopes com as propostas de preço, o ano de 2020 se findou, e em 01 de janeiro de 2021 assume o atual governo do sr. Gustavo Moraes Nunes.

Os dias passam, e sem consulta ou participação de técnico algum da casa, no dia 28 de janeiro de 2021 o novo Secretário de Planejamento, Sr Sidnei Bispo, despacha CANCELANDO a licitação 020/2020 e no dia 10 de fevereiro de 2021 o Diário Oficial do Município publica a sua revogação.

SEM LÓGICA

As justificativas da Prefeitura para a revogação do processo licitatório são as seguintes:

● Seria um equívoco o objeto do certame, o qual deveria ser dividido em dois, “uma vez que trata de assuntos distintos, quer seja em sua qualificação quer seja em sua execução”.

● Haveria “prejuízo à economicidade do procedimento, por restringir a competitividade na participação do mesmo”.

● Haveria “prejuízo à competitividade do processo, haja vista que os critérios adotados na metodologia da pontuação técnica sejam inadequados à complexidade do município” (seja lá o que isto signifique).

“Por mais esforço que se faça é difícil encontrar qualquer lógica ou verdade nestas afirmações”, conclui a representação ao MP, explicando os motivos de sua descrença:

“Primeiro, porque a contratação conjunta destes dois trabalhos é praticamente uma OBRIGAÇÃO, se os trabalhos são para ser bem feitos, já que são essencialmente as mesmas categorias de profissionais que trabalham os dois temas, equipes de empresas diferentes certamente não teriam o mesmo diálogo interno necessário, e não haveria um aproveitamento completo das interações com a população”.

E mais: “Depois, como pode ser minimamente convincente a afirmação de que um certame onde aparecem 8 (oito) concorrentes ‘restringiu a competitividade’?”

“E por fim, os critérios de pontuação adotados não foram inventados, e são estabelecidos para este tipo de trabalho, não tendo nada a haver com a ‘complexidade do município’. Note-se que NENHUM dos concorrentes questionou ou se sentiu prejudicado por nenhum dos critérios adotados, e todas as diversas consultas formuladas se restringiram a esclarecimentos normais neste tipo de certame”.

SEM RESPOSTA

Na data de 12 de fevereiro de 2021, o presidente do Conselho da Cidade, atendendo a pedido de conselheiros, oficia a Comissão Permanente de Licitações da Secretaria Municipal de Administração, pedindo pela justificativa da revogação, e não é respondido.

Em 18 de outubro de 2021, para surpresa geral, o atual governo assina o referido contrato com uma desconhecida FIA, desta vez POR DISPENSA DE LICITAÇÃO, e não para executar um único objeto como alegava que teria sido necessário, mas sim para executar TRÊS (3) serviços distintos, ao valor total de R$ 4.482.202,80.

ARGUMENTOS INÓCUOS

Para o Instituto Cidades os argumentos da Prefeitura de Ipatinga para interromper o processo licitatório e realizar a contratação sem licitação não faz nenhum sentido. Na representação ao Ministério Público, a instituição alega que “a primeira das ‘justificativas’ para revogar a Concorrência Pública 020/2020 já foi jogada por terra logo no momento em que o atual governo contratou a FIA, para a realização de TRÊS (3) trabalhos simultâneos no mesmo Contrato. Aqui sim, houve a contratação em um mesmo objeto de serviços completamente DISTINTOS, ao misturar serviços de engenharia e arquitetura (Plano Diretor), com serviços administrativos (Reforma Administrativa) e tributários”, afirma.

“Quanto a segunda ‘justificativa’ para o cancelamento – continua –, a de que teria havido ‘prejuízo à economicidade do procedimento’ chega a ser hilário o cancelamento de uma concorrência em andamento onde o preço máximo de um serviço é de R$ 767.812,00, para em seguida fazer a contratação, sem concorrência, pelo preço de R$ 1.910.400,00!

“E note-se que o valor R$ 767.812,00 é o preço inicial máximo da concorrência. Sem dúvida, tivessem sido abertos os envelopes de preços, a contratação terminaria por ser feita por valor abaixo deste. Considerando, entretanto, apenas este preço máximo, o fato é que a Secretaria de Planejamento, na pessoa do Sr. Paulo George Lacerda Conceição, contratou o serviço da revisão do Plano Diretor por um valor praticamente o TRIPLO do valor de mercado”, denuncia.

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