Cidades

Comissão Memória e Verdade realiza audiência

O requerimento para o evento foi apresentado pela Comissão Especial “Memória e Verdade”, composta pelos vereadores Agnaldo Bicalho, Pedro Felipe e Roberto Carlos

 

IPATINGA – A Câmara Municipal realizou, na semana passada, audiência pública para oferecer à população oportunidade de apresentar denúncias de casos de violação grave aos direitos humanos, ocorridos no período de 1946 a 1988. O requerimento para o evento parlamentar foi apresentado pela Comissão Especial “Memória e Verdade”, composta pelos vereadores Agnaldo Bicalho (PT), Pedro Felipe (PTB) e Roberto Carlos (PV).
Foram convidados para compor a mesa de honra a presidente da CUT Regional Vale do Aço e coordenadora da subsede do Sind-UTE de Ipatinga, Feliciana Alves do Vale Saldanha, e o jornalista, escritor e mestre em Ciências Sociais, Marcelo de Freitas Assis Rocha.
“A partir de um clamor nacional, a Câmara de Ipatinga instalou a Comissão Especial ‘Memória e Verdade’ com função clara de acompanhar esse momento histórico que o Brasil vive. Na Constituição de 1988, o Brasil fez um compromisso de criar três comissões importantes para chegar ao estágio de uma democracia plena: de Anistia Política, de Mortos e Desaparecidos e finalmente a da Verdade. Nós aqui em Ipatinga temos a oportunidade de, junto com esse debate nacional, resgatar a memória e a história da classe trabalhadora, das pessoas desta cidade”, esclareceu no início da audiência o vereador Agnaldo Bicalho.
Em maio deste ano, a presidente Dilma Rousseff instalou a Comissão da Verdade, que passará os próximos dois anos apurando violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar. “A comissão não abriga ressentimento, ódio, nem perdão. Ela só é o contrário do esquecimento”, disse a presidente durante solenidade em Brasília.
A Comissão Nacional da Verdade tem entre os seus objetivos, segundo a lei que a criou, o de “identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos (…) e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade”.

“MASSACRE DE IPATINGA”
Como não poderia deixar de ser, o episódio que ficou conhecido como “Massacre de Ipatinga”, ocorrido no dia 7 de outubro de 1963, quando vários trabalhadores da Usiminas foram mortos pela polícia durante um protesto na porta da empresa, foi o centro dos debates na noite de quinta-feira no plenário da Câmara Municipal.
“Ipatinga foi marcada pela repressão à luta trabalhadora, tendo como principal símbolo o massacre do dia 7 de outubro de 1963, que envolveu a Usiminas, na época uma empresa estatal, e contou ainda com a conivência do sindicato dos trabalhadores metalúrgicos. Esta audiência é uma oportunidade para debater o assunto e levantar informações que serão encaminhadas à Comissão Nacional da Verdade”, ressaltou Agnaldo Bicalho.

Encaminhamentos
Ao final da audiência pública, o vereador Agnaldo Bicalho fez alguns encaminhamentos, entre eles, a criação de uma linha telefônica e um e-mail exclusivos da Comissão Especial “Memória e Verdade”, para receber denúncias relativas ao Massacre de Ipatinga. “Muitas pessoas não comparecem a eventos públicos, como este realizado aqui na Câmara, por medo. Porque ainda têm algum parente, um filho ou primo trabalhando na Usiminas. O medo ainda impera por aqui”.
Aproveitando a presença da presidente da CUT Regional Vale do Aço, Feliciana Saldanha, o vereador petista aproveitou para sugerir que durante a realização do Congresso Nacional da CUT seja apresentada uma moção de repúdio ou elaborado algum requerimento que peça à Comissão Nacional da Verdade o estudo do caso do Massacre de Ipatinga.
Também foram levantadas durante a audiência pública denúncias de violação aos direitos humanos posteriores ao Massacre de Ipatinga. Entre elas, casos recentes de assassinatos e desaparecimentos de adolescentes na região, em que os principais suspeitos seriam policiais.

PARA JORNALISTA, ASSUNTO NÃO FOI RESOLVIDO
IPATINGA
– Convidado para falar sobre suas pesquisas a respeito do Massacre de Ipatinga, o jornalista e escritor Marcelo de Freitas afirmou que o assunto é muito importante porque continua vivo, porque é um assunto não resolvido. “Para mim, a grande questão não resolvida envolvendo o Massacre de Ipatinga continua sendo o número de mortos. A versão oficial, que consta no inquérito policial e no processo judicial, aponta para o número de oito mortos. Mas as informações que colhemos através de muitas entrevistas ao longo dos últimos anos são de que o número foi bem maior”.
O interesse de Marcelo de Freitas pela morte dos trabalhadores em Ipatinga no ano de 1963 surgiu em 1988, quando ele era repórter do jornal Hoje em Dia e fez a primeira matéria sobre o tema. Em 2003, trabalhando no jornal Estado de Minas, retomou o assunto em uma série de reportagens. Um ano depois, o tema foi voltou a ocupar o tempo do jornalista ao ser escolhido como sua tese de mestrado em Ciências Sociais na PUC-MG. Sobre o assunto ele publicou o livro “Não Foi Por Acaso – A História dos Trabalhadores que construíram a Usiminas e Morreram no Massacre de Ipatinga”.
Vários são os indícios de que o número de mortos no massacre foi maior que oito. Em suas pesquisas, Marcelo de Freitas foi até a Bahia e levantou a história de três rapazes que vieram juntos para Ipatinga para trabalhar na Usiminas e apenas um deles voltou para testemunhar os fatos. Os dois que não foram mais vistos após a manhã do dia 7 de outubro de 1963 não estão entre os oito mortos que constam dos documentos oficiais.

32 CAIXÕES
Outro dado interessante levantado pelo jornalista surgiu através da entrevista com um homem que era motorista do bandejão da Usiminas, que no dia seguinte ao massacre recebeu a incumbência de buscar na funerária da Santa Casa de Belo Horizonte um carregamento de 32 caixões. A encomenda foi entregue no almoxarifado da empresa siderúrgica em Ipatinga. O funcionário do almoxarifado que recebeu os 32 caixões também foi localizado por Marcelo de Freitas.

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