Cidades

Caso Adélio: advocacia e respeito ao sigilo da fonte

(*) Rogério Pires Thomaz

 

Caso Adélio e a busca no escritório de seu advogado Zanone: mais um triste exemplo e um grave ataque a administração da justiça legitimado pelo próprio poder judiciário

 

As buscas realizadas pela PF no escritório do advogado e professor universitário, Zanone Manuel de Oliveira Júnior, na região metropolitana da capital mineira, no dia 21/12/2018, teve – segundo depoimento do delegado federal Rodrigo Morais Fernandes aos órgãos de imprensa, responsável pela malfadada “operação” –, como objetivo de apreender e periciar documentos, celulares e computadores para descobrir quem paga a defesa de  Adélio Bispo de Oliveira,  que confessou ter cometido o grave atentado contra o então presidenciável Jair Bolsonaro,  em 6 de setembro do corrente ano, em Juiz de Fora, na Zona da Mata.

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Óbvio que o ocorrido tem que ser investigado com todo rigor, considerando a gravidade de um fato onde se investiga ação extremamente violenta contra um presidenciável em plena luz do dia, em meio a uma multidão. É de se imaginar a pressão em que as autoridades incumbidas pela persecução criminal devam estar sofrendo para solucionar um crime ocorrido nestas circunstâncias.

Entretanto, o que se percebeu na atuação da PF foi  o flagrante desrespeito ao direito fundamental de qualquer cidadão que, na posição de investigado ou não, por cometimento de um delito, há de ter respeitado seu  o sigilo de informações existentes em pactos de confidencialidade que eventualmente tenha estabelecido com seu defensor. Pactos estes que preservam não apenas a plenitude de defesa conferida ao acusado em procedimento criminal, como sua privacidade como um todo, que não pode ser devassada sob o esdrúxulo fundamento de que se busca chegar ao autor de determinado crime, através do patrocinador de honorários de sua defesa.

Parece que no fatídico caso se esqueceu que o sigilo profissional figura-se como cláusula pétrea (inalterável) prevista no artigo 5º, incisos XIII e XIV da Constituição Federal, ao dispor que “XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

Conclui-se ao ler o mencionado dispositivo constitucional, que a intervenção realizada no escritório do defensor do Adélio, atende a interesses diversos dos quais versam nossa Constituição da República, além de outras normas infraconstitucionais, em especial a Lei nº 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, garantidora das prerrogativas dos advogados.

Tem-se como inimaginável em um país que tenha tradição minimamente democrática a aceitação de intervenção policial em escritório de advocacia, através de mandado judicial, expedido por um juiz que, muito bem pago para resguardar direitos individuais de todo cidadão, deixa de cumprir sua missão constitucional ao  expedir  ordem   de busca e apreensão, inclusive do aparelho celular de advogado, sem que este seja alvo de investigação, mas tão somente para se tentar descobrir quem  patrocinou a defesa  de um investigado.

Ora, se o defensor não se apresenta na investigação como suspeito de determinado delito, não deve, então, ser bisbilhotado no exercício da sua função defensiva  que, segundo norma constitucional que rege nosso País, em seu art. 133, se apresenta na figura do advogado, como essencial a administração da justiça.

Assim, há de se questionar como se daria o funcionamento administração de uma justiça minimamente  imparcial, democrática e, portanto, confiável, quando uma de suas peças essenciais, assim reconhecida pela Constituição da República, sofre com tamanha marginalização como se demonstrou no assombroso fato que ocorreu com o  defensor e professor mineiro,  Zanone? Ressalte-se que, até onde se tem notícia, em décadas de militância de advocacia criminal de excelência reconhecida em todo País, o nobre advogado sempre se pautou de maneira a ser exemplo para tantos outros colegas, dentre os quais eu ouso me incluir.

Em tempos de obscurantismo totalitário que rondam nossa sociedade, resta a nós advogados criminalistas, militantes, rogar pela coragem necessária à prática da advocacia aguerrida evidenciada por Sobral Pinto, quando, em suas afirmações, ressaltava que advocacia não é lugar para covardes! Sinto que mencionada afirmação nunca foi tão atual como nos dias de hoje. Ouso dizer que, em diversas ocasiões, até mais do que à época da ditadura militar.

Que se cuidem os médicos, psiquiatras, psicólogos em seus consultórios como também os padres em seus confessionários, pois nada mais garante que não estejam sendo filmados, ou ao menos “grampeados”, podendo ser vítimas do sistema de justiça, que vem agindo ao arrepio de nossa Lei maior.

 

(*) Rogério Pires Thomaz é advogado criminalista militante e sócio fundador do Ribeiro & Thomaz Advogados 

 

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