Cidades

As lições de uma bacharel em Direito aos 97 de idade

Para Chames Salles Rolim, a arte e educação são direitos primordiais    (Fotos: Reuber Sales)


Por: Reuber Sales Bicalho


IPATINGA –
É muito provável que nenhum de seus nove filhos, 28 netos e 16 bisnetos jamais a tenha ouvido gritar com eles em casa ou com outras pessoas. De fala mansa, mas suavemente convincente, ela vem levando sua vida com a sabedoria de quem sabe que, conforme expressão própria, os tropeços da vida são os primeiros passos à frente de qualquer empreendimento.

Em sua casa no bairro Cidade Nobre, cercada de flores, fotos, pinturas, quadros e diplomas de honra ao mérito, ela aguarda com a costumeira tranquilidade a chegada de mais um grande dia em sua vida. É o dia 7 agosto próximo, quando Chames Salles Rolim estará recebendo seu diploma de Bacharel em Direito pela Fadipa – Faculdade de Direito de Ipatinga.

Seria uma formatura normal, naturalmente com muita emoção por parte de formandos, professores, a diretoria da escola e familiares dos alunos que nos últimos cinco anos se debruçaram sobre livros, pesquisas, participaram de aulas e audiências. Seria. Ocorre que a primogênita de casal de pioneiros do Vale do Aço, Selim José de Salles, libanês, e Canuta Rosa de Oliveira Barbosa, estará entre os 22 formandos da turma. Seria muito normal mesmo, mas ocorre também que tal formanda está com 97 anos de idade.

REPERCUSSÃO
Quando receber o diploma do diretor da faculdade, professor Jésus Nascimento, a mais nova bacharelanda da família Salles-Rolim estará levando consigo também o título de a universitária formada mais idosa do Brasil. Não é por outro motivo, por sinal, que o telefone de sua casa não para de tocar; entre uma e outra conversa com as irmãs, filhos ou netos, Chames Salles Rolim atende a convites para entrevistas na imprensa regional e nacional. Na manhã do dia 18 passado, ela atendeu ao jornalista Carlos Eduardo Cherem, do Portal UOL, Belo Horizonte, que estampou a manchete no site: “Nunca é tarde para aprender”.

Na progressão geométrica da internet, a notícia ganhou o mundo, foi compartilhada e curtida centenas de vezes por amigos e familiares – entre eles o neto Pedro “Doca” Rolim, exímio guitarrista e integrante da banda Skank, de Belo Horizonte.

A arte em sua expressão maior não é novidade na família, por sinal. Na casa de Chames, vários cômodos são ornados com primorosas criações da filha caçula, a artista plástica Canuta Najla. Outros filhos seguem carreira nas áreas de Medicina, Engenharia, Ciências Contábeis e Administração.

“Considero a educação e a arte como direitos primordiais. Privilegiamos muito a cultura musical, em nossa casa todos crescerem em torno de um piano. Em Coronel Fabriciano, fomos a primeira família a mandar os filhos para estudar em Belo Horizonte, pois aqui não tínhamos faculdades. E veja bem, no século passado, os homens estudavam sob a luz de postes públicos. Hoje vemos alunos em sala de aula manuseando celulares ou tabletes enquanto o professor ensina a matéria. Não sabem aproveitar o tempo”, lamenta.


Uma sala para honrarias

O diploma que Chames Salles Rolim irá receber aos 97 anos de idade já tem local definido em uma moldura: será na sala do computador, contígua ao quarto, onde já enfeitam as paredes vários quadros de homenagens do então Banco Real, atual Santander, pela participação no primeiro e no segundo Prêmio Talentos da Maturidade, onde recebeu menções honrosas; da Academia de Letras de Ipatinga; do Concurso de Poesias de Petrópolis e do Concurso de Poesias de Varginha.

A mesma sala guarda lembranças igualmente preciosas, como a reprodução de um outdoor que Chames mandou fazer em homenagem ao filho Ivo Rolim por ocasião de seu falecimento, na década de 90. “Foi curioso, recebi na época muitos elogios pela coragem de externar minha dor. Por quê não?”, indaga.


O diploma de bacharel em Direito já tem lugar reservado na casa de Chames

 

A realização de um sonho
Chames Sales Rolim poderia muito bem continuar sua vida de matriarca bem sucedida. Viúva do farmacêutico José Maria Rolim, falecido em 1997, com quem comandou a Farmácia Rolim durante 50 anos – primeiro em Marliéria, depois Santana do Paraíso e por último em Coronel Fabriciano, onde o estabelecimento funcionava à rua Pedro Nolasco, em frente à antiga Estação Ferroviária.

Formada em Magistério no ano de 1937, no Colégio Nossa Senhora das Dores, em Itabira, Chames sempre acalentou o sonho de advogar. Quando foi inaugurada a Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce, ela aventou a possibilidade de lá estudar – onde se formou, inclusive, o irmão Jamill Selim de Salles, ex-prefeito de Ipatinga.

“Mas o Zé Rolim não deixou, ele era muito ciumento. E eu concordei, não é, pois a gente tem que saber quando ceder. Mas há cinco anos a oportunidade surgiu por acaso: eu era madrinha de uma turma de formandos que tinha como paraninfo o dr. Jésus Nascimento. Externei a ele o meu sonho e o incentivo foi imediato. Ele me estimulou a fazer o vestibular da Fadipa e não pensei duas vezes, fiz a prova, fiz o curso, foram 10 semestres, e valeu a pena!”.

“Trocar de marido é trocar de defeito”
Para frequentar as aulas do curso de Direito da Fadipa, Chames Salles Rolim mudou seus hábitos matinais, deixando a hidroginástica na piscina de sua casa para o período vespertino. O motorista e guardião Milton, que há mais de 20 anos é considerado um membro na família, ajudou-a a cumprir rigorosamente os horários. Na retaguarda, o filho Pedro Rolim, que mora com a mãe, tudo supervisionava.

No decorrer do curso, Chames teve um infarto e perdeu a companheira e amiga Adalgisa, que morou em sua casa nos últimos 53 anos. “Foi uma perda dolorosa. Mas frequentar as aulas me rejuvenesceu, tive mais equilíbrio para a vida. O curso me possibilitou conhecer a advocacia por dentro, pude ver o quanto é preciosa e necessária. Acho inclusive que esse curso deveria ser público e gratuito para todos, pois elucida o cidadão”.

A nova bacharel em Direito não tinha planos de prestar o exame da OAB, necessário para obter sua carteira e advogar. “Mas uma colega disse que iria me inscrever para a prova. Vamos ver, estou pensando, mas isso é uma prova de amizade da parte dela, no mínimo, você não acha?”, indaga.

Chames quer usar seus novos conhecimentos e sua experiência de vida para ajudar ao próximo. Ainda frequentando o curso, ela participou de uma audiência de conciliação de um casal em vias de se separar.

“A moça era bonita, bem vestida e trabalhava como pedagoga; o marido tinha como profissão vigilante de carro forte. Então eu disse para ela: minha filha, essa é a batalha da doçura contra a valentia. Ceda um pouco, pois trocar de marido é trocar de defeito. Dessa forma, matei a charada para o casal, que realmente se reconciliou. Se está funcionando até hoje, isso eu não sei”, sorri Chames.

Moção de Aplauso na Câmara de Ipatinga
O vereador Nilson Lucas (PMDB) solicitou ao presidente da Câmara Municipal de Ipatinga, vereador Ley do Trânsito (PSD), a votação de uma Moção de Aplauso a Chames Salles Rolim, que aos 97 anos de idade irá receber o diploma de bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Ipatinga (Fadipa).
Irmã do ex-prefeito de Ipatinga, Jamil Selim de Salles, a nonagenária ganhou o noticiário nacional com a sua formatura, marcada para o dia 7 de agosto.

Em uma das várias entrevistas que concedeu nos últimos dias, Chames afirmou que seu objetivo agora é auxiliar a sociedade, compartilhando o conhecimento adquirido. “Sei que a minha idade não me dá muito prazo. Por isso, o que eu quero é ser útil a quem me procurar, compartilhar o conhecimento. E se eu não souber responder algo, vou orientar a pessoa a buscar quem saiba”.

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