Policia

Adolescentes perdem a infância para o crime

“Meu filho não teve tempo de ser internado”, lamenta a mãe de um adolescente morto

 

IPATINGA – Enquanto o Centro de Internação para Adolescentes Infratores não sai do papel, a rotina será sempre a mesma: o adolescente comete o ato infracional, é apreendido, normalmente pela Polícia Militar, e, em seguida liberado, o que aumenta a reincidência do menor no crime. No Vale do Aço, as apreensões ocorrem diariamente. As histórias das ocorrências são sempre as mesmas: furto, roubo, tráfico de drogas e homicídio. Um quadro que se agrava a cada dia.
De um lado, a sociedade que culpa o Estado e este, por sua vez, culpa a estrutura familiar. Hoje, um indivíduo que comete crime grave e tem dezessete anos e onze meses, por ser menor de idade, é inimputável – ou seja, não pode ser processado como um adulto – e recebe até três anos de medida socioeducativa. Cumprido o prazo, estará livre, tenha ou não potencialidade para reincidir.
Mas, no caso específico do Vale do Aço, está sendo negado aos adolescentes infratores o direito à medida socioeducativa. Como a região ainda não possui um local apropriado para as internações, nem provisório nem permanente, é dever dos órgãos competentes conseguir vagas em alguma outra unidade do estado.
Durante quatro meses, a reportagem do DIÁRIO POPULAR acompanhou o drama de mães que perderam seus filhos para a morte, como é o caso recente de José Laurindo Barros Junior, 16 anos. Ele foi morto a tiros há uma semana na rua Belo Horizonte, no Centro da cidade. O menor teve o mesmo destino de Simone, uma mulher usuária de crack, espancada, em meados de março, no mesmo local onde o adolescente foi morto.
Segundo a Polícia Civil, José Laurindo estava envolvido diretamente neste assassinato. Por causa disso, a PC sugeriu ao Ministério Público que solicitasse ao Judiciário a internação do menor. A mãe do menino, Maria Odete Brito Leal, 35 anos, disse que o filho estava muito ausente e que já “tinha perdido ele para o mundo”. “Infelizmente quem procura este mundo aí fora encontra a criminalidade e meu filho não teve tempo de ser internado”, disse a mãe, desolada.

REVOLTA
Assim como José Laurindo, Karine Santos Alfa, 16 anos, que ficou conhecida como “Mulher Aranha”, também acabou vítima da própria sorte. Foi assassinada em janeiro deste ano. A garota foi apreendida 32 vezes por furto e roubo. De acordo com a Polícia Militar, 14 ofícios foram enviados ao Judiciário, mostrando a situação da menor e sugerindo a internação compulsória da adolescente.
A mãe da menina, Jandira Rodrigues dos Santos, contou que por diversas vezes procurou pessoalmente os órgãos competentes pedindo a internação da filha. Ainda de acordo com Jandira, a própria Karine conversou pessoalmente com o juiz da Vara da Infância e Juventude de Ipatinga e lhe pediu ajuda para o problema. “Aí ele perguntou para ela se ela queria tratar de câncer, se ela era aidética, e ainda pediu para que eu sumisse com a minha filha da cidade dele”, conta.
Quando a filha morreu, Jandira se revoltou e criticou por muitas vezes “o sistema”. “Cadê a proteção que falaram que iriam dar à minha filha? O promotor de justiça disse que estava resolvendo para internar minha filha. Onde? No caixão? O caso da Karine vai servir como exemplo de que não existe órgão de proteção a adolescentes”, disse a mãe, à época.
Procurado, o Ministério Público afirmou que encaminhou dezenas de vezes o pedido e internação de Karine ao Judiciário, mas acredita que o caso dela nunca chegou a ser analisado. “Existem mais de 20 processos da Karine. Na época eu tomei conhecimento pelo próprio Estado que em Belo Horizonte existe um Centro de Internação para Meninas e que tinha vaga sobrando lá”, disse o promotor Fábio Finotti. Hoje, o caso de Karine foi arquivado pela Justiça com a sua certidão de óbito.


Menina que ficou conhecida como “Mulher Aranha” chegou a pedir a própria internação, contou a mãe

 

Garoto se nega a ser internado
Ipatinga
– C.M., de 42 anos, é mãe de um adolescente de 17 anos. O garoto, usuário de drogas, é acusado de cometer um homicídio em dezembro do ano passado, quando teria matado com mais de 100 facadas um rapaz na rua Marechal Cândido Rondon. O menino confessou a autoria do crime, e participou da reconstituição do assassinato.
Depois disso, ele já foi apreendido duas vezes, uma por roubo no Veneza II e outra por tráfico de drogas, em Dom Cavati. A polícia também já solicitou a internação do menor, mas ainda não obteve o retorno.
A reportagem conversou com o garoto, que estava sem o efeito de drogas. Ele disse que não quer ser internado e afirmou que, “quando quiser, ele consegue sair do vício”. Lembrado sobre as mortes de outros adolescentes envolvidos na criminalidade, o garoto se esquivou. “Também não é bem assim”, disse. Depois disso, se levantou, colocou o boné na cabeça e saiu sem dar satisfação à mãe.
Apesar da rebeldia do filho, a mãe espera que ele mude de ideia e não tenha o mesmo destino de meninos que encontraram a morte. “Eu quero que ele seja internado e saia deste vício da droga e volte a ser o meu filho de antes, porque ele não era assim. Ele trabalhava, estudava, não fazia nada errado. E depois do crime do Veneza, ninguém dá serviço para ele, e os amigos de verdade se afastaram”, lamenta a mãe.

“SE ELE ESTIVESSE NAS RUAS, MEU FILHO ESTARIA MORTO”
IPATINGA – Diferentemente dos casos citados na reportagem, C.E, 36 anos, mãe de um adolescente de 17 anos, está contente por seu filho ter conseguido uma vaga no Centro de Internação para Adolescentes, em Governador Valadares.
Ele foi internado em meados de 2011 após ter sido apreendido 29 vezes pela polícia. Segundo contou a mãe, o menino começou a dar problemas quando completou 15 anos de idade, ao se envolver com o crack. “Minha vida era ficar na delegacia de manhã, à tarde e à noite. Eu não tinha mais sossego”, revela.
C. conta que lutou incessantemente para que o filho fosse internado. Ele disse que chegou a conversar pessoalmente com juiz e promotor da área, e conseguiu 45 dias de internação para o filho. O prazo foi estendido até os 21 anos. “Sou uma das poucas mães que conseguiu isso. Porque muitas tentam e não conseguem e ainda são obrigadas a conviver com a morte dos filhos. Eu agradeço a Deus que ele está lá, porque se ele estivesse nas ruas, meu filho estaria morto”, desabafa.


Menor foi apreendido 29 vezes; ele é um dos poucos que conseguiu vaga em um CIA

 

A “novela” do CIA
Ipatinga
– Há anos se fala na construção do Centro de Internação para Adolescentes no Vale do Aço. Vários locais foram cogitados e depois rejeitados. Agora, fala-se na implantação de CIA provisório. Dois locais já foram mencionados. O primeiro seria rua José Boy Rossi, ao lado do prédio da Prefeitura Municipal de Ipatinga.
O lugar foi descartado e outro foi apontado: a Comunidade Terapêutica Rios de Água Viva, ao lado da Delegacia Regional no Centro da cidade. Mas, para que isso ocorra, os 94 internos da instituição deverão ser remanejados para a Unidade II da Comunidade que fica em Coronel Fabriciano.
O que se sabe ao certo até agora é que o CIA virou palco para político. Sem exceção, deputados, vereadores e prefeitos colocam como prioridade a construção do Centro de Internação. Várias reuniões já foram feitas junto ao governo e nenhum acordo concreto foi definido.
O Capitão Magalhães, que acompanha de perto todos os casos dos menores citados na reportagem e muitos outros, espera que o CIA provisório se torne realidade. Enquanto isso não ocorre, ele explica que a polícia irá continuar a fazer o trabalho dela: detectar menores que estão se tornando infratores contumazes e informar ao Judiciário a situação dos adolescentes. “Então ficamos preocupados e entendemos que o CIA é mais que urgente para o Vale do Aço. O que nós podemos fazer é certificar esses casos de infratores reincidentes para que as ações de outros órgãos possam ser tomadas”, esclarece o policial.


Policial luta incessantemente para que menores infratores contumazes sejam internados

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