Cidades

A Cidade dos Milagres e a cidade real

(*) Fernando Benedito Jr.

O prefeito de Ipatinga Nardyello Rocha bem antes da pandemia do coronavírus utiliza o bordão Ipatinga, Cidade dos Milagres para se referir à capacidade de superação do município em relação às dificuldades econômicas pelas quais passa. Mais recentemente, o epiteto também vem sendo usado para se referir às dificuldades no enfrentamento ao coronavírus. Este apelo ao espiritual, contudo, não faz muito sentido, quando se trata de duas ciências quase exatas como a economia e epidemiologia. Ao contrário, soa demagógico demais, como se estivesse falando à plateia de outros grupos religiosos que, potencialmente, seriam seus eleitores.

Por outro lado, parece um tanto conveniente terceirizar a Cidade dos Milagres nas mãos do sobrenatural e do intangível, como se os homens não tivessem reponsabilidade com o que viesse a acontecer, seja de bom ou de ruim. E por último, as coisas na administração pública não acontecem milagrosamente. Ocorrem pela vontade política, pelo esforço conjunto, pela contribuição humana que se chama trabalho e pelo exercício da ciência – que parece desprezada na decisão de flexibilizar o isolamento social atendendo à pressão do setor comercial, mas levada em conta na hora de contabilizar os impostos gerados por este mesmo setor. Aí, não existem milagres, mas matemática.

Não se trata aqui de desprezar a fé, tão necessária aos enfermos de alma, tão cara aos que creem e aos que nela encontram amparo, principalmente num momento de dificuldades e incertezas. Trata-se tão só de alertar para o uso nem sempre conveniente e devido do divino, sob risco de parecer exploração da boa fé, populismo barato, demagogia política, puro exagero de retórica eleitoral num momento em que é preciso bem mais que isso.

Aos 56 anos, Ipatinga é uma cidade de homens e mulheres, de gente trabalhadora. Sua construção exigiu muito suor e sangue. Sua história é resultado do esforço de sua gente e de sua competência. São estes mesmos valores que a farão superar os desafios e seguir adiante pelos anos e séculos. Mas é preciso que seja norteada por atos responsáveis e consequentes e não em experiências de tentativa e erro para depois se lamentar e viver à espera de um milagre.

(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular.

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