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A Bolívia sofreu um golpe ou não?

Foto: Militares bolivianos “sugerem” a renúncia do ex-presidente Evo Morales

(*) Fernando Benedito Jr.

Os debates sobre se o que ocorreu na Bolívia foi golpe ou não, ainda estão acontecendo e os dados estão rolando. Para as forças de direita no Brasil e na América Latina, não se trata de golpe, mas de uma renuncia provocada pelos intensos protestos da população reivindicando democracia, ainda que com o uso intensivo da violência, denúncias de fraude nas eleições e um comunicado da OEA defendendo o segundo turno, mesmo sem provas de fraude ou qualquer motivo que justificasse a desconfiança. Em grande parte a OEA é responsável pelo caos boliviano. Para estes segmentos a deposição de Dilma Rousseff no Brasil, ainda que através do impeachment (um instrumento previsto na lei), também não foi golpe. A farsa das pedaladas fiscais montada para justificar a deposição, não foi golpe. Para estes setores, como diz o chefe das milícias, só é golpe quando a esquerda perde o poder. A esquerda não dá golpe, faz revolução contra burguesia.

Vale lembrar que na atual conjuntura a maioria dos países da América Latina que integra a OEA tem uma orientação direitista muito próxima do protofascismo. Quase todos se alinham automaticamente e seguem piamente as orientações de Washington, como ocorre nos embates contra Cuba, Venezuela, Bolívia e, em breve, Argentina e Uruguai. A ver.

No caso boliviano, houve um excessivo apego de Morales ao poder. Oriundo das lutas cocaleras, Evo estava há quase 14 anos no governo, o que por si só já causa um grande desgaste. Convocou um plebiscito para saber se poderia ter um quarto mandato, foi derrotado, mudou a lei e candidatou-se assim mesmo e foi reeleito num pleito suspeito de fraude. E as pessoas querem alternância, seja de direita ou esquerda, ainda que seja para ficar tudo do mesmo jeito, ou como diriam os franceses: “Plus cela change, plus cela même chose”. Irromperam-se, então, os protestos por toda a Bolívia. Diga-se de passagem, a partir de Santa Cruz de La Sierra, um dos departamentos mais preconceituosos, racistas (não admitem um índio no poder, embora a Bolívia seja um pais indígena) e reacionários do País. Não por acaso, vivia nesta região o ex-ditador e general Hugo Banzer, dos mais extremistas do país, de quem o pai de Camacho – o “Bolsonaro boliviano” foi assessor direto. Colocada em xeque a credibilidade da eleição, faltou a destruição dos principais pilares de sustentação do governo, que era o apoio institucional e das forças armadas, ao contrário da Venezuela, o motim não tardou a acontecer. Pronto estava concluída a operação que culminou com o ultimato para que o presidente deixasse o cargo, não sem antes colocarem em risco sua própria vida, a de seus auxiliares e parentes. Morales não foi para o México para curtir os dias ensolarados de Cancun.

No caso da Venezuela, as tentativas de depor Maduro a todo custo e por reiteradas vezes são uma clara tentativa de golpe. Já as manifestações contra Sebastian Piñera no Chile, não são. No primeiro caso, querem uma ruptura institucional; no segundo, mudanças na economia, na saúde, educação, fazem reivindicações.

Na Bolívia parece que houve uma ação orquestrada por Steve Bannon. Questiona-se a democracia e a legitimidade do governo, mobiliza-se a oposição, criam-se lideranças políticas que assumem o protagonismo, destroem-se os pilares de sustentação do governo, colocam-se as tropas na rua e, enfim, exigem a renuncia. É golpe. Houve uma ruptura institucional, violência, ameaças e, em muitos casos, prisões, mortes, tortura. Estes últimos recursos desnecessários na Bolívia, ainda que praticados em menor escala, porque Evo e o establishment renunciaram.

Então, se o que ocorreu na Bolívia foi golpe ou não, depende muito do ponto de vista político e ideológico. Do meu, foi.

(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular.

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